Edição de Sábado

Edição de Sábado: Fala que eu te escuto

O papo não tinha nem dois minutos — o uísque Old Camp e a maconha com tabaco ainda não haviam sido servidos. Mas Elon Musk, Occupy Mars na camiseta, já parecia à vontade. O anfitrião, o comediante, ex-apresentador do reality Fear Factor e ex-comentarista de WWE (o telecatch americano), Joe Rogan, tem esse poder. Despretensioso e despudorado, Rogan deixa os convidados de seu podcast The Joe Rogan Experience, turbinados ou não por álcool e drogas, soltos. Musk conta sobre como uma de suas empresas, a The Boring Company, tem uma seção de produtos com tiragem limitada. Inspirado no clássico de Mel Brooks Spaceballs, ele havia tido a ideia de fabricar e vender lança-chamas. Rogan ri. “Ninguém te diz não? Te dá uma dica de que talvez as pessoas que decidam comprar esse produto sejam desequilibradas?”. “Ah, sim, é uma péssima ideia. Eu mesmo falei ‘não comprem, é perigoso, é errado’. Mas as pessoas compraram e não havia nada que eu pudesse fazer para impedi-las.” Rogan agora gargalha, jogando a careca para trás. “Quantos você fez?”. Musk responde com o sorriso de uma criança travessa: “20 mil. E eles esgotaram em quatro dias”.

Edição de Sábado: David McCullough, ‘in memoriam’

“Sempre digo a quem deseja ser escritor que faça um curso de desenho ou pintura”, disse certa vez David McCullough. “Isso ajuda você a aprender a olhar, a observar. E escrever é observar.” McCullough morreu em sua casa no último domingo. Tinha 89 anos. Os seus eram livros de história. Escreveu um sobre a construção da Ponte do Brooklyn, um feito de engenharia para o século 19. Seu primeiro contava a história de uma enchente. Dedicou-se também, noutro livro, a explorar a influência que alguns anos vividos em Paris causaram em diversos americanos num arco de dois séculos, como isto moldou estas pessoas e, através delas, a ideia do que são os EUA. Mas McCullough é mais lembrado pelas biografias definitivas de dois presidentes — Harry Truman e, principalmente, John Adams, que adaptada se tornou uma das séries de maior sucesso da HBO (assista). Talvez a morte de um único escritor, um homem que passou meio século escrevendo livros de história americana, não valesse o espaço principal numa edição de Sábado cá deste Meio. Mas ele, David McCullough, não é um caso isolado. McCullough pertenceu a uma geração de jornalistas tornados escritores que juntos reinventaram por completo a arte de escrever não-ficção. Ao fazê-lo, criaram uma multidão de novos leitores, gente que descobriu interesse por política, por história, por compreender por que a sociedade é como está.

Edição de Sábado: Olho nu

“Se eu não tivesse criado meu mundo inteiro, certamente teria morrido no de outras pessoas.”
Anaïs Nin, escritora francesa, autora de Delta de Vênus

Edição de Sábado: O bicentenário roubado

Toda manhã, Epitácio Pessoa pedia aos cozinheiros do Palácio do Catete que lhe trouxessem um pouco de carne crua e um prato. Ele mesmo picava com uma faca, bem miúda, espalhava por cima então um pó medicinal e punha num canto da porta para sua cadelinha. Ninon. A bichinha viveu entre seus pés em todos os três anos e tanto de seu governo. Às vezes ficava animada que só, sobre as duas patas traseiras, apoiada nas pernas do dono. Viviam um caso de amor afetuoso, o presidente e Ninon. Mas Epitácio não era para ter chegado tão longe. Era paraibano, e na Primeira República os presidentes vinham de São Paulo ou de Minas. Era esse o acordo. E Epitácio já havia alcançado ao ápice da carreira mais de uma vez. Um dos mais importantes senadores e até ministro do Supremo Tribunal Federal. Só que Rodrigues Alves, o velho paulista eleito para um segundo mandato no Catete, foi pego pela pandemia da Gripe Espanhola, morreu antes de tomar posse em 1919, e uma eleição especial teve de ser organizada às pressas. Não houve tempo de composição de acordo entre paulistas e mineiros a respeito de quem era a vez, o velho liberal Rui Barbosa logo saiu candidato e na pane os conservadores do regime acharam por bem combinar um nome terceiro que não assustasse ninguém. Veio Epitácio com seu topete, o bigode farto de arcos para cima, grisalho aos 54. Um homem paciente, calmo, que logo botou em ação ao menos uma das pautas de Rui. Pela primeira vez, o ministro da Guerra seria um civil. Foi um presidente com uma missão: comunicar ao mundo que, em seus trinta anos de existência, a República brasileira era um caso de sucesso. Faria isso com uma festa. Um centenário. Em 7 de setembro do seu último ano de mandato. 1922.

Edição de Sábado: Planeta plástico

O mundo estava envaidecido com sua própria capacidade. Numa exibição internacional, num palácio de vidro e ferro com mais de 13 quilômetros de galerias no Hyde Park, em Londres, a humanidade celebrava suas mais recentes descobertas tecnológicas. Prensas hidráulicas, borracha indiana, a glorificação da Revolução Industrial. Esse era o clima no Crystal Palace em 1851, no evento que foi batizado de “A Grande Exposição das Obras da Indústria de Todas as Nações”. Mais de 6 milhões de pessoas compareceram ao palácio e testemunharam o nascimento do mundo moderno. Dentre elas, alguns nomes conhecidos como Charles Dickens, Charles Darwin, Karl Marx e Michael Faraday. O evento foi idealizado pelo Príncipe Albert, marido da Rainha Vitória, e foi inspirado nas exibições de Paris de 1798 e 1849. A rivalidade franco-inglesa se impôs e as exibições passaram a se alternar. Londres fez o Crystal Palace? Paris, em 1855, realizou a Exposição Universal na Champs-Élysées no Palácio Industrial. Para a Exposição Universal de 1862, os britânicos levantaram 12 mil toneladas de aço para a construção do que é hoje o Museu de História Natural.

Edição de Sábado: Em busca da esperança perdida

Por Flávia Tavares e Pedro Doria

Edição de Sábado: Nas trincheiras da guerra cultural

Na última terça-feira, o Congresso derrubou os vetos do presidente Jair Bolsonaro às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, irrigando o setor cultural com R$ 6,86 bilhões. A ira de bolsonaristas nas redes foi imediata. É um enredo previsível: culpam-se os “mamadores de recursos públicos”, artistas consagrados que recebem fortunas para fazer proselitismo político de esquerda — isso quando fazem arte, porque, a tomar como realidade o que dizem os posts das extrema-direita, a maior parte dos artistas simplesmente embolsa o dinheiro, sem pudores.

Edição de Sábado: Ser mulher

Pelas mulheres do Meio

Edição de Sábado: A máquina que sente

Na cena que marca o clímax de Blade Runner, o filme icônico de Ridley Scott lançado em 1982, o policial caçador de androides fugidos Rick Deckard está pendurado por um pilar no alto de um arranha-céu quando é salvo por um dos robôs que perseguia. “É uma sensação forte viver em medo, não é?”, pergunta Roy Batty, o personagem de Rutger Hauer. Para o espectador, é a descoberta de que, sim, androides sentem. Batty tem programado em si o momento da morte. Um momento que se aproxima acelerado. “Vi coisas que vocês não acreditariam”, ele conta. Os androides, afinal, foram criados para trabalhar em mundos distantes que humanos não tolerariam. “Naves de ataque em chamas em Órion, vigas reluzentes no Portão de Tannhäuser.” O texto foi escrito pelo próprio Hauer, que o interpretou com emoção ímpar, discreta, citando lugares fictícios que soavam propositalmente alienígenas. Distantes. “Todos estes momentos se perderão como lágrimas na chuva.” Ele, o robô, está emocionado mas não vemos suas lágrimas. Chove. Sua vida tem apenas segundos de sobra. E acaba de salvar o homem que procurava mata-lo. “É hora de morrer.”

Edição de Sábado: Voto arco-íris

Colocar à frente. Apresentar-se. Exprimir-se em seu nome. Representar é posicionar pessoas em espaços que, até então, elas não ocupavam e promover a defesa de seus direitos. Amanhã, depois de dois anos de hiato pandêmico, a Parada do Orgulho LBGT+ de São Paulo — que já entrou para o Guiness como a maior do mundo — desfilará cores, amores e a luta por respeito, dignidade e pela representatividade política. No ano das eleições mais críticas da Nova República, o tema é a importância do voto.