Lula não tem dinheiro para ser Lula

O PT governa fazendo obras e programas sociais. Para isso, precisa de recursos — com alguma folga no plano fiscal e com verbas parlamentares sendo usadas em seus projetos. São esses os nós que o presidente precisa desatar

O Planalto tem um problema: a conta não fecha. Todas as crises grandes e pequenas até aqui, todos os debates, atritos, tudo circula em torno deste mesmo ponto. Nas primeiras duas vezes em que Lula foi presidente, a conta fechava. Agora, não. “O PT tem um jeito próprio de governar”, me explicou esta semana alguém com os ouvidos sempre atentos e acesso diário a algumas das principais salas do palácio. “O PT governa fazendo obras e programas sociais.” Tanto no embate com o presidente da Câmara, Arthur Lira, quanto no conflito em torno do novo arcabouço fiscal, o problema é o mesmo. A conta dá pouco espaço para Lula ser Lula.

Os dois conflitos são interligados. Os presidentes do Senado e da Câmara já disseram que gostam do plano do ministro Fernando Haddad. No Congresso Nacional, diferentemente do Planalto, ouve-se muito e com atenção o que diz o mercado financeiro. E o plano fiscal precisará ser aprovado no Congresso. Sem a chancela de deputados e senadores, o governo não andará. Além disso, não se trata apenas do mercado — Haddad se preocupa com responsabilidade fiscal. Saíram em defesa do ministro os outros dois titulares da área econômica, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o vice-presidente, Geraldo Alckmin, também responsável pela pasta da Indústria e Comércio.

O PT, porém, ataca Haddad. Seu plano não permite fartura em gastos. Esta semana, ele precisou se defender de mais um ataque da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que separou a discussão entre ala política e ala econômica. “Fui candidato à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores. Sou de que ala?”

A briga mais difícil evidentemente não é a interna. O presidente muda o ministro da Fazenda quando bem entender. O que ele não muda é a Câmara dos Deputados. No primeiro governo de Lula houve uma tentativa desastrada de forçar a eleição de Luiz Eduardo Greenhalgh, um petista, para a presidência da Casa — terminou com uma revolta dos parlamentares e a vitória do desconhecido Severino Cavalcanti. No período Dilma foi pior. Ela interferiu para diminuir a bancada do PMDB, ajudou a turbinar artificialmente partidos, terminou encarando Eduardo Cunha na presidência da Câmara e desceu a rampa com um impeachment nascido da vingança parlamentar.

O que Lula não fará, em hipótese alguma, é sequer parecer estar tentando interferir em como a Câmara conduz seu jogo.

Mas a maneira como Arthur Lira conduz seu jogo, na presidência da Câmara, impõe três consequências diretas para o Planalto. A primeira é que o controle de um naco grande do Orçamento pela Câmara tira ainda mais dinheiro que o governo precisa para suas obras e seus programas sociais. A segunda é que Lira insiste em manter escondidos os nomes dos parlamentares que pedem estas verbas. Um novo “orçamento secreto” não prejudica apenas a imagem do Congresso, também afeta a do governo. E, por fim, o Planalto se torna um refém permanente dos deputados. É obrigado a negociar mais liberações a cada votação.

Não é uma enrascada trivial da qual escapar. Mas, lá no Palácio, um plano está sendo montado. Parte de uma constatação. Diferentemente de outros presidentes passados da Câmara, Lira não tem pleno controle dos parlamentares. Mostra disso é que demorou um mês, após sua eleição, para distribuir todos os cargos em todas as comissões. A negociação foi muito difícil. Quase metade dos parlamentares está no primeiro mandato e há um espírito de independência muito forte. Cada qual pensa em si e busca o seu.

Embora nunca seja falado às claras, existe uma razão para tentar manter escondidos os nomes dos parlamentares que pedem verbas. Sem transparência, não é possível encontrar os indícios de corrupção, de nepotismo, de conflito de interesses nos gastos federais. As emendas RP2 podem vir assinadas por prefeitos, que servem de testa de ferro para quem de fato pediu o dinheiro. O diário carioca O Globo publicou nesta quarta mesmo a notícia de R$ 124 milhões da Codevasf destinados, em Alagoas, a aliados de Lira. Notícias do tipo aparecerão mais e mais e cada uma será um pequeno desgaste.

O problema do Planalto de cara é esta decisão. Vai abraçar esses muitos desgastes de fazer os pagamentos sem transparência? É o que Lira tenta impor. Mas a cobrança virá e a pecha de corrupto pode causar dano sério à imagem de um governo que já tem nisso um ponto frágil. A alternativa é conseguir convencer Lira e os deputados de que é bom assinar os pedidos. Dar transparência é simples, uma mera portaria resolve. Fazer à revelia de Lira é declarar guerra. O argumento pode ser que é bom para os parlamentares deixar claro que estão levando dinheiro para suas regiões. Dá voto. Dificulta é desvios. Este argumento não tem colado.

O Planalto não desistiu de tentar. Há uma reunião. Uma segunda, uma terceira. Argumenta-se, negocia-se, trabalha-se. Há quatro anos Brasília não via tanta política sendo feita.

Mas aí vem o outro ponto — o Orçamento, incluindo o pedaço dedicado às emendas parlamentares, foi aprovado no ano passado. Isso quer dizer que os 44% dos deputados que só assumiram mandato em fevereiro não têm quaisquer emendas. Não é uma negociação simples arranjar dinheiro para eles dentro da lei. Para o governo seria ótimo se este gasto fosse feito, ora, nas obras ligadas a seus projetos como o Minha Casa, Minha Vida. Ou a seus programas sociais. Mesmo que com assinatura destes novos deputados. Seria um ganha-ganha.

Descontem-se as distrações impostas pelo bolsonarismo, os primeiros três meses do governo Lula foram dedicados a lidar com o problema do dinheiro. Houve a fase da negação, com Lula acusando mercado, empresários e o Banco Central. Agora é o momento de encarar o problema de frente, pois o Banco Central seguirá independente e a Câmara tem um quê de traiçoeira.

As habilidades de negociação de Lula serão postas à prova como nunca. Na cabeça do presidente, desfazer o nó quer dizer duas coisas. Conseguir, na área econômica, a maior folga possível no fiscal e ver esta regra aprovada no Congresso. Conseguir, na Câmara, que os deputados topem assinar suas emendas e invistam o dinheiro que têm para gastar em programas do governo.

Os riscos que corre são igualmente dois. Afrouxar tanto no fiscal que a inflação exploda entre o segundo e o terceiro ano do mandato. Pressionar tanto a Câmara que a relação imploda.

Em oito anos de presidente da República, Lula nunca teve um desafio deste porte.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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