Edição de Sábado: Mano a mano

Era madrugada em Pequim. No bar do hotel, alguns deputados e senadores brasileiros papeavam para passar as horas até o momento marcado para embarcar para o Brasil. O avião decolaria às 7h. Dormir poderia significar risco de perder o bonde. Era a turma de uns cinco parlamentares do Centrão. Tinham acompanhado a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China em meados de abril. A noite avançava em queixas.

Teve deputado possesso por ter ouvido gritos de assessores na tentativa, em vão, de registrar uma foto com Lula do outro lado do mundo. Houve quem reclamasse do ônibus lotado de parlamentares, sindicalistas e lideranças do campo que vagava pela cidade transportando a comitiva entre agendas; outros queixavam-se de ter que carregar a mala até o hotel e só entrar depois que Lula já tivesse passado pelo saguão. Em agendas mais concorridas, teve senador sem lugar para sentar, precisando se ajeitar no chão do veículo. O rosário de lamúrias se avolumava. Até que um típico exemplar do Centrão levantou a mão: “Calma gente, lá na frente vai ter o marco temporal e as MPs”. Todos riram.

Do outro lado do mundo, há um mês e meio, aquele era um prenúncio do balé no ringue da Câmara ocorrido na última semana. Um dos presentes disse que a lembrança da frase que ouviu do colega o atordoou desde a noite de terça-feira, quando o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), resolveu dar a chave de braço no governo e pautou o projeto que trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas, em vez de levar ao plenário a medida provisória com o redesenho de Lula da Esplanada dos Ministérios, prestes a caducar. “Cada hora que passava no impasse criado pelo presidente da Câmara, eu pensava mais nessa frase”, disse, sob reserva.

O projeto que limita a demarcação de terras indígenas somente aos territórios ocupados até a Constituição de 1988 foi o primeiro cruzado. Na quarta, a pressão mantinha Lula nas cordas. “A cada hora, vai ficando mais caro”, comentou o deputado Alencar Santana (PT-SP), enquanto aguardava na Câmara as negociações que ocorriam nos gabinetes, no Palácio da Alvorada e na Residência Oficial da Câmara. “Acho que vai chegar uma hora que vamos ter de partir para o enfrentamento. Do jeito que está, a gente não enfrenta, não aprova nada e continuamos reféns”, comentou. Os governistas pensavam estratégias diversas. Falavam em reforma ministerial para trocar ministros “sem votos” na Câmara, referindo-se aos do União Brasil, partido que não se compromete em votar a favor do governo mesmo tendo pastas na Esplanada.

Lula havia começado a quarta chamando os responsáveis pela articulação política para uma reunião de emergência no Palácio da Alvorada. O round terminou à meia-noite do dia seguinte. Caso não fosse votada na Câmara e no Senado, a medida que reorganizou o governo perderia a validade e o presidente teria que governar com o desenho de ministérios feito por Bolsonaro. De 37, a Esplanada ficaria com 23 pastas. Estavam com Lula no Alvorada os ministros de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e da Casa Civil, Rui Costa, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), quando Lula passou a mão no telefone e ligou para Lira. A conversa não foi boa. Lira repetiu o mantra de que o governo não tinha votos, que reclamações de toda sorte chegavam até ele. Mas de que os parlamentares reclamam? De tudo. O governo era tachado de não cumpridor de acordos e os parlamentares careciam de verbas. A essa altura, deputados já não engoliam a costumeira desculpa do governo de que a Casa Civil iria editar uma portaria regulamentando as emendas empenhadas, para que o dinheiro fosse liberado, mas com a identificação de quem indicou a verba. “Portaria se faz em uma semana, não em seis meses”, queixou-se um líder do centrão a Lira.

Mas os parlamentares queixavam-se também de que o presidente vivia em uma redoma em Brasília que o tornava inalcançável, aos moldes do tratamento dispensado em Pequim a boa parte da comitiva. Estavam carentes de afagos de Lula.

Na ligação, Lira ainda despejou em Lula sua irritação com os torpedos mandados por seu adversário paroquial, Renan Calheiros (MDB-AL), que, pelas redes sociais, o acusava de bater em mulher e jogava mazelas no ventilador. Renan é pai do ministro dos Transportes, Renan Filho, e Lira achava que Lula devia atuar para conter o seu inimigo número 1. Lira, na posição de dono dos votos na Câmara, deu um ultimato a Lula: disse que seria o último voto de confiança no governo e que o presidente tinha uma semana para cumprir promessas de liberação de emendas e de cargos, além de tratar melhor os parlamentares.

E tinha mais. Lira também demandou uma enquadrada no ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB-MA), que havia viajado para Alagoas na semana anterior, feito um evento de entrega de viaturas policiais e não o havia convidado. Ao lado do governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), apadrinhado por Renan, Dino anunciou investimentos de R$ 20 milhões na área da segurança pública no estado. O presidente da Câmara sentiu a desfeita e disse a Lula que era necessário “tratar aliados com mais respeito”.

Da reunião no Alvorada, Padilha seguiu para a reunião na Residência Oficial da Câmara e Guimarães seguiu para o gabinete da liderança do governo, onde começou a se reunir com a cúpula de todos os partidos. No meio da tarde, o governo derramou R$1,7 bilhão em emendas, direcionados principalmente para partidos do centrão (PSD, PP, União, MDB e REP). Mesmo assim, o clima não mudou e Lula permanecia com o pescoço apertado pelo braço de Lira.

No final da tarde, Lula resolveu contra-atacar. De seu gabinete no Palácio do Planalto, passou a ligar para todos os líderes e presidentes de partidos. Até para os nanicos. “O meu partido é pequeno e o presidente da legenda, até as 17h, não queria nem saber de apoiar o governo. Quando o encontrei às 19h, estava rindo de orelha a orelha por ter recebido uma ligação de Lula”, disse um deputado, em reservado. Lula decidiu perpassar Lira e fazer o que o próprio presidente da Câmara o acusava de não andar fazendo: dar atenção, falar diretamente, sem interlocutores. No Planalto, mandou chamar o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), aliado de primeira hora de Lira. Também recebeu o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), conterrâneo e aliado do presidente da Câmara e responsável por dilacerar os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Por pelo menos três horas, o presidente se ocupou das conversas. Segundo interlocutores, o movimento não agradou muito o presidente da Câmara que, até então, se colocava como o tutor do apoio na Casa e se dizia sempre ocupado em “ajudar o governo a formar sua base”.

Lula ainda se dedicava aos telefonemas quando Lira se desabalou da Residência Oficial com destino à Câmara. Já era noite e a sessão, marcada para as 11h, ainda nem havia esquentado. O dia havia passado com poucos deputados em plenário se revezando em discursos. Ao chegar, Lira deu entrevista enfatizando a inércia do governo em compor sua base na Câmara. “Há uma insatisfação generalizada dos deputados, e talvez dos senadores, que ainda não se posicionaram, com a falta de articulação política do governo, não de um ou outro ministro”, disse Lira. “O problema não é da Câmara nem do Congresso. O problema está no governo, na falta ou na ausência de articulação. Eu não tenho mais como empenhar o meu papel em conduzir as matérias do governo, as matérias do Estado e de interesse do país”, disse Lira, lavando as mãos. O presidente da Câmara não foi para o plenário. Trancou-se em sua sala, onde manteve mais de três horas de reunião com todos os líderes.

Mais cedo, em conversa com Lira, o líder do governo na Câmara, Guimarães, chegou a colocar o cargo a disposição. “Se agora os acordos não forem cumpridos a culpa é minha. Precisamos de uma segunda chance. Se não forem cumpridos, eu entrego o cargo”. O esforço havia sido em vão e a garantia de nada servia para o alagoano. Na reunião em seu gabinete, Lira resistia a um acordo e cogitava a ideia de deixar a medida caducar.

Por conselho dos próprios líderes, o presidente da Câmara abandonou essa ideia e seguiu para o plenário, disposto a iniciar a votação. Ainda não estava no radar de Lira o fato de que teria de enfrentar, na próxima semana, o julgamento de uma denúncia na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por recebimento de propina. A notícia de que o ministro Dias Toffoli havia liberado para julgamento um recurso da defesa de Lira contra a denúncia por corrupção passiva veio quando Lira estava no alto da Mesa Diretora, conduzindo a votação. Segundo interlocutores, Lira associou a decisão imediatamente à luta que havia travado com Lula nas últimas 24 horas. Em Brasília, há o consenso de que “nada é por acaso” na política.

Lula sempre valorizou, em seus mandatos anteriores, a relação pessoal com deputados e senadores, o tête-à-tête. Nesses primeiros seis meses de terceiro mandato, ocupou-se de outras prioridades, incluindo a forte agenda internacional. E o combo atenção+emenda é imbatível para parlamentares fisiológicos. A foto, o acesso, a grana — tudo isso se converte em votos. A equipe de articulação de Lula foi insuficiente em todas as frentes. E Lira foi dando aqueles socos no rim que lentamente levam o adversário ao chão. Até que Lula reassumiu o contato com as vossas excelências do Centrão e, ainda que sem as digitais do governo, jogou Lira nas cordas judiciais. A medida provisória foi aprovada na Câmara por 337 votos contra 125. Ao sair da sessão, Lira não escondeu que sentiu o golpe. Anunciou o seu descompromisso com o governo: “Daqui pra frente, o governo vai ter que andar com suas próprias pernas”.

A operação da Polícia Federal no dia seguinte, mirando pessoas ligadas a Lira e ao esquema de desvio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), já teve outro sabor: Lula conseguiu uma virada sobre Lira. As imagens de dinheiro vivo nos cofres e malas divulgadas ao longo do dia pela PF aumentavam ainda mais a pressão. Pela manhã, o presidente da Câmara teria comentado com alguns líderes sobre a digital de Dino na operação e comparado a situação com um possível rompimento à la Dilma Rousseff versus Eduardo Cunha. E os líderes concordaram com ele.

Se governistas ficaram exultantes com o resultado do corpo a corpo de Lula com Lira na marcação de espaço político, é certo que ninguém está seguro para declarar uma guerra. Tanto que Dino fez questão de fazer uma visita a Lira na sexta-feira e assegurar que a operação da PF foi determinação judicial, não uma ordem sua. O próprio Lula admitiu que a política, por não ser exata, muda de acordo com “o comportamento dos partidos”, o que deve acontecer a cada votação. E, ao reiterar que esse é um governo “que respeita o Congresso”, reconheceu que vai precisar de muito corpo a corpo a cada semana.

Um experiente cacique do MDB enxerga o momento como propício para Lula começar a montar sua base na Câmara e fortalecer sua base no Senado. “Essas denúncias inevitavelmente serão investigadas, independentemente das questões do governo ou do Congresso. É a chance de o governo consolidar a maioria na Câmara. Lira, na verdade, tentou impedir o governo de fazer essa construção. Lula precisa saber quem é quem, quem está com quem e falar diretamente com os deputados e senadores”, disse ao Meio, sob reserva. O governo já avisou que vai dar prioridade aos encontros de Lula com as bancadas daqui para frente. O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), cuidou de marcar reunião de Lula com bancada emedebista tanto na Câmara quanto no Senado, para o próximo dia 14 de junho.

Já o entorno de Lira aposta que ele dará o troco não se esforçando para colocar em votação as outras medidas provisórias —uma que altera as regras do Carf e outra que cria o programa Minha Casa, Minha Vida. Vale lembrar que o presidente da Câmara tem, entre seus vários poderes, o de não pautar e deixar as medidas perderem a validade.

O que está em disputa são mais que rodadas semanais de demonstração de força. É o comando da República. A Constituição desenha a divisão de Poderes em três. E mesmo em democracias saudáveis é natural que haja fricção entre eles. Em algumas dimensões, essa fricção é o que se chama de pesos e contrapesos — as formas que um Poder tem de fiscalizar e conter o outro. Em outras, quando um chefe de Poder tenta simplesmente invalidar o outro, a coisa tem outros nomes.

Lira é um presidente da Câmara superempoderado por Jair Bolsonaro e pelo próprio desenho institucional brasileiro. A sequência de presidentes da República fracos (Dilma, Michel Temer e Bolsonaro, que, para o cientista político Fernando Limongi, criou o “presidencialismo do descaso”), o orçamento secreto e um Centrão sedento por verbas e ascendência deram a Lira aspirações de um semipresidencialismo em que ele teria todos os bônus de um primeiro-ministro, sem os ônus. Mas quem está no Planalto agora é Lula. E essa parece ser uma luta de muitos rounds.

Mundo da fantasia

Por Nathasha Ferreira

Se, em um papo informal, eu te disser que o Brasil é tricampeão mundial, o que vem à sua cabeça? Futebol, vôlei, tênis, ou qualquer outro esporte? E cosplay, você sabe o que é?

Não, não é um esporte. O cosplay é mais como um hobby — mas que muitas pessoas levam bem a sério. Existem campeonatos de nível regional, nacional e mundial e todo ano milhares de pessoas se preparam para esses concursos. Mas vamos começar do começo.

Apesar de o Japão ter se aprimorado muito mais nesse hobby, o cosplay surgiu nos Estados Unidos, por volta da década de 1940, junto com as primeiras convenções de fãs de ficção científica. A palavra é a junção dos termos cos (de costume, fantasia) e play (brincar). Ou seja, é mesmo brincar de se fantasiar como seu personagem preferido, seja ele de séries, quadrinhos, filmes ou qualquer outro tipo de mídia.

No Brasil, o cosplay ganhou força na década de 1990, quando as primeiras convenções de fãs de cultura pop começaram a surgir. Os desenhos japoneses, conhecidos como animes, comandavam em grande parte as programações matinais das TVs abertas. E foi na TV que a avó de Renata Carpanese viu o anúncio de um evento que aconteceria perto da sua casa, com exibição de animes e venda de produtos para fãs, como cards e chaveiros. “Até então só tinha visto imagens de cosplayers nos grandes eventos de São Paulo. Eu e uma amiga, de forma improvisada, pensamos ‘por que não aqui no Rio também?’. Que eu saiba, somos as primeiras cosplayers do Rio de Janeiro”, conta a jornalista, que hoje em dia atua, principalmente, como personagem vivo, fazendo do cosplay seu trabalho.

Renata ainda conta o que mudou desde que ela começou: “No início, havia mais costureiras, nosso principal trabalho era achar os tecidos certos pra cada tipo de roupa. Mas a principal dificuldade eram as perucas: havia apenas uma loja no Brasil, em São Paulo, que importava os fios que pareciam mais ‘naturais”.

Hoje, milhares de brasileiros são cosplayers e centenas fizeram do hobby seu ofício. As áreas de atuação são diversas: personagens vivos, cenografia, figurinos, estilização de perucas, construção de acessórios, presença em eventos (o Rock in Rio já contratou cosplayers para receber o público), fotografia, filmagem, organização de convenções e concursos... Há uma indústria girando em torno do cosplay.

E este é um hobby democrático: qualquer um pode fazer, com trajes elaborados ou mais simples, feitos com roupas do próprio armário. Há cosplayers que gostam de usar seus trajes para passear nos eventos, outros gostam de fazer fotos (amadoras ou profissionais), e existem aqueles que gostam do palco e das competições. É deles que vamos falar agora.

A competição

O mundo dos concursos de cosplay no Brasil é uma grande sopa de letrinhas, da qual a mais importante é o WCS — sigla de World Cosplay Summit. O WCS existe desde 2003 e foi concebido, primordialmente, para ser um concurso de trios. Hoje, são duplas. Nesses 20 anos, passou por mudanças estruturais e de local, aumentou o número de países participantes e de cidades-sede, entrou e saiu de polêmicas com direitos autorais, passou por uma pandemia e já deu 3 títulos ao Brasil.

Para os brasileiros, a estreia aconteceu em 2006, quando enviamos nossa primeira dupla representante, os irmão Maurício e Mônica Somenzari. “Quando ficamos sabendo do concurso, pela divulgação em um mini-evento, eu e minha irmã já voltamos pra casa enlouquecidos, fazendo milhões de planos e com o projeto escolhido. Sabíamos que as roupas e a histórias dos personagens (os também irmãos Alexiel e Rociel, do mangá Angel Sanctuary) eram chamativos e iriam impressionar. O objetivo sempre foi ir pro Japão, conseguir a vitória”, conta o designer de moda. Ele ainda brinca e completa: “era um projeto audacioso, pois os cosplays tinham asas e usavam tecidos mais nobres, como couro... Era a desculpa perfeita pra justificar o gasto e tirar do papel pra realidade”.

Eles contaram com a ajuda de familiares e até de profissionais da área de adereços e fantasia. “Toda nossa família entrou de cabeça com a gente e pedimos ajuda até do Grêmio Recreativo de Escolas de Samba de São Paulo. O pessoal da Unidos de Casa Verde e da Rosas de Ouro nos ajudou com toda a estrutura das asas, nos fornecendo o know-how que ainda não tínhamos na época”.

Maurício e Mônica fizeram jus à responsabilidade: foram e trouxeram o campeonato pra casa. Ainda fizeram mais: ganharam as seletivas brasileiras de 2011 e 2013, trazendo de novo o mundial em 2011. Atualmente, além de cosplayers, os dois coordenam a etapa brasileira do WCS. “Eu e minha irmã participamos de sete etapas brasileiras do WCS, vencemos três delas, e ainda trouxemos dois títulos do Japão. Quando veio o convite para coordenar a etapa brasileira, foi uma grande surpresa e poder hoje prover a experiência que eu tive lá atrás para a minha comunidade é das coisas mais importantes que já fiz nesses 20 anos”, completa Maurício.

Para concorrer no WCS, o primeiro passo é conseguir uma dupla. Começa, então, a preparação: escolha dos personagens que serão interpretados, confecção das roupas, elaboração da apresentação, muito ensaios e noites sem dormir. Sim, é uma competição que exige dedicação — e dinheiro, na maioria dos casos.

As seletivas acontecem em vários estados brasileiros e não é incomum duplas viajarem com roupas, cenários e acessórios para concorrer em outros estados, quando não há seletivas no seu. Passada a etapa regional, chega a etapa nacional, que ocorre em São Paulo e tem duas fases: o julgamento das roupas, chamado pelos participantes de “vira-vira”; e a apresentação em si, em que são atribuídas notas à criatividade, interpretação e ao enredo.

No “vira-vira” um corpo de jurados vai comparar o cosplayer com a referência do personagem original, avaliando a fidelidade e as saídas técnicas para transportar um personagem 2D ou 3D para a vida real. O julgamento do cos recebeu esse apelido anos atrás, já que os participantes precisam virar várias vezes para que os jurados consigam ver o cosplay por vários ângulos.

Já no julgamento do play, a apresentação, os cosplayers podem usar de efeitos especiais tanto ao vivo quanto no telão para trazer o máximo de imersão e realidade aos espectadores. No final vence a dupla que tiver a melhor média somando cos e play. O prêmio? Uma viagem ao Japão para representar o Brasil no grande mundial, que ocorre no mês de agosto, na cidade de Nagoya.

A etapa brasileira de 2023 ocorreu no dia 27 de maio, com a presença de 18 duplas finalistas, selecionadas em 8 estados e que movimentaram o palco em mais de 1h30 de apresentações. O concurso teve transmissão ao vivo pelo TikTok com, segundo dados da organização, 65 mil espectadores únicos e mais de 18 mil interações. Os números das seletivas também são altos: mais de 35 mil espectadores distribuídos entre 13 seletivas presenciais, R$50 mil em premiação dentre brindes nas atividades e prêmios do campeonato; mais de 20 convidados e influenciadores; mais de 1 milhão de pessoas alcançadas e mais de 850 publicações realizadas.

A dupla vencedora da etapa brasileira foi Kelly Batista e Luis Telles, que vieram de Natal com seus cosplays de Drossel Keinz e Elizabeth, do anime Kuroshitsugi. O casal, seus figurinos e cenários viajaram por mais de 2.300 quilômetros para conquistar o sonhado título brasileiro.
Eles contam que quando souberam da seletiva na sua região, que aconteceu em João Pessoa, decidiram usar um projeto que já tinham, mas que precisava de melhorias. “Foi aquela loucura, um mês para preparar tudo. Após ganhar a regional, decidimos mudar novamente alguns detalhes no cosplay e mudar a apresentação para um novo desfecho, que achamos que ficou bem mais impactante”. Mas Kelly ressalta que esse não foi um processo tranquilo. “Houve muitos surtos entre a regional e a final, mas, no fim, conseguimos deixar mais ou menos como queríamos”. Sim, o grau de exigência entre os competidores, incluindo consigo mesmos, é bem alto.

A atriz disse que agora a meta é se aprimorar ainda mais e focar nos preparativos para a tão sonhada viagem ao Japão. “Por enquanto, estamos resolvendo as burocracias e preenchendo os formulários que a competição pede. Mas já está tudo encaminhado e estamos muito animados com a viagem, para conhecer novas pessoas e um país com uma cultura tão maravilhosa e que amamos tanto!”.

A evolução

Ao longo do tempo, costureiras de bairro deram lugar aos cosplays comprados prontos, em sites chineses como o AliExpress ou nos mais especializados, como DokiDoki e SIM Cosplay. Ou, ainda, aos cosmakers e propmakers, profissionais especializados em confeccionar figurinos e acessórios de cosplay. “O cosplay é um hobby que me possibilitou trabalhar com o que eu amo, que é moda. Eu larguei as minhas noivas pra trabalhar com cosplayers maravilhosos e tenho muito orgulho de tudo que já conquistei”, disse o estilista Leon, no palco da final brasileira do WCS, onde foi um dos jurados do concurso.

As perucas “de saquinho” (como são chamadas as perucas de fio nacional, aquele bem brilhoso, compradas em lojas comuns de fantasia) foram substituídas pelas de fio importado — mas que ainda podem ser encontradas em fornecedores na 25 de março, grande zona comercial de São Paulo. Para Renata, se as dificuldades de antes não existem mais, novas surgiram. “Alguns familiares ainda não aceitam que, com 36 anos, eu possa ter o cosplay como hobby”, conta.

Para Maurício, apesar de toda a “profissionalização”, é isso que o cosplay ainda é: um hobby. “Não é uma profissão, mas a gente leva a sério da maneira que tem se levada. Como coordenação, a gente preza por dar uma experiência única para cada um que participa”. E ele quer continuar contribuindo com a comunidade nos bastidores. “Esse ano foi a minha primeira coordenação do começo ao fim do planejamento das seletivas e da final. E foi exatamente como poderia ser, da melhor maneira possível, com os elementos que a gente tinha. E tem sido um orgulho muito grande participar disso dessa maneira. Agora eu realmente sinto que é onde eu devia estar”, finaliza.

A emoção

Os eventos de cultura geek movimentam milhões todos os anos. E se tem um termômetro para esses eventos é o cosplay: quanto mais deles circulando e tirando fotos com os frequentadores, mais movimento e sucesso o evento aparenta. Por isso, a maioria deles investe em concursos para atrair os cosplayers.

Uma das maiores convenções da atualidade, a CCXP, já ultrapassou em muitos números a sua prima mais velha e mais conhecida, a famosa San Diego Comic Con. E como não poderia deixar de ser, tem concursos de cosplay diários ao longo dos 4 dias de evento e uma grande final especial, em que cosplayers pré-selecionados podem fazer suas apresentações com jogos de luzes e telão e cujo prêmio é um carro 0km.

Mas nem sempre foi assim. Essa jornalista que vos escreve participa de concursos desde 2006, quando nós ganhávamos apenas experiência e uma cesta de biscoitos de qualidade bem duvidosa. Hoje, ainda participando de competições grandes e pequenas, eu posso dizer que ainda me divirto tanto quanto antes. São quase 17 anos praticando o hobby e a cada apresentação, na beirada do palco, as mãos ainda tremem, ficam suadas e dá aquele frio na barriga. A cada pessoa que nos para no evento, pede uma foto, diz que ama o personagem, é o prazer de fazer cosplay se renovando. Poder ser, por algumas horas, aquele personagem que você tanta ama, seja ele mocinho ou vilão. É o que eu e outros tantos cosplayers pelo Brasil e pelo mundo afora amam tanto fazer.

Confira uma galeria de fotos de cosplayers brasileiros brilhando em competições no Brasil e no Japão.

Alerta de spoiler

E aí? Viu o episódio final de Succession? O que achou da escolha de... beeeeeeeeeeeeeeeep. Bom, pra mim, na era dos comentários instantâneos, depois de 24h não é mais spoiler qualquer informação da série mais quente da década. Melhor, 12h está de bom tamanho. Quiçá três horinhas sejam mais que suficientes. Convenhamos, séries de imenso sucesso, como essa de Jesse Armstrong, não são mais eventos cadenciados. Seus finales são como transmissões ao vivo de uma final de esportes, todo mundo ligado, procurando pistas, assistindo e celebrando (ou xingando) em comunhão nas redes sociais. Claro que foi só eu expressar essa opinião na reunião de pauta do Meio para uma sucessão (sorry) de apoios e condenações se seguir.

Pois foi sugerido um vídeo de 2012, praticamente do tempo dos neandertais, com uma etiqueta de spoilers ditada por atores de séries hit da época — como The Wire, The Walking Dead, Dexter. O fato de que o manual começa com “Em tempos de DVDs...” já torna a conversa inviável. Chega-se a sugerir um ano (!!!!) de silêncio sobre uma final de série. Tipo quando alguém ainda reclama se você conta o final de O Sexto Sentido, né? Mas o vídeo é um exercício de humor. Então, divirta-se. E, falando em passado, foi lembrado também na reunião de pauta que o Brasil tem uma indústria editorial inteira de revistas especializadas em dar spoilers de novela, culto que persiste.

Voltando a 2023, existem alguns truques para fugir de spoilers nas redes se você realmente fizer questão disso. Afinal, fã inveterado que você é de Succession, já fez tudo que é tipo de pesquisa e comentário sobre o brilhantismo de Jeremy Strong e seu Kendall, ou a astúcia de Kieran Culkin e seu Roman, e sobre todos os atores e personagens maravilhosos da série, e educou o algoritmo a te entregar conteúdo sobre eles.

Agora, até a ciência se divide sobre os efeitos dos spoilers. Um estudo de 2015, da VU University, de Amsterdã, mostra que eles reduzem o engajamento com a história. Outro, da Yeshiva University, de Nova York, prova que o spoiler, apesar do que quer dizer a palavra em inglês, não estraga em nada a experiência de assistir ao final da sua série preferida — ou de qualquer enredo de suspense, diga-se. Isso porque você se envolve tão profundamente com os personagens, e eles não sabem os desfechos de suas histórias, que é como se você revivesse cegamente aquele desenrolar também. A arte tem esse poder. E Succession é nada menos que isso. Arte.

Bora pro fogão? Eis os mais clicados da semana pelos nossos leitores:

1. BBC Brasil: As habilidades profissionais que a inteligência artificial ainda não replica.

2. YouTube: Ponto de Partida — Maduro, Lula e a democracia desconhecida.

3. Panelinha: Ovos escalfados com ragu de linguiça.

4. BBC Brasil: E um canal de Veneza amanheceu verde marca-texto...

5. Panelinha: Caldo de carne a jato.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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