Edição de Sábado: O design do prazer

Ingrid Guimarães dá vibrador de presente a Grazi Massafera. Luiza Brunet diz adorar lingerie e vibrador. Angélica dá vibrador de Dia das Mães. Não se assuste, você não recebeu a newsletter errada. Todos esses títulos têm algo em comum: o vibrador. Aquilo que um dia foi tabu, hoje é tratado de forma mais aberta e com o entendimento de que prazer é um elemento da saúde e do bem-estar. Não é à toa que o uso desses apetrechos é discutido em podcasts, nas redes sociais e na telinha. O filme sueco O Ano em que Comecei a Vibrar por Mim (Netflix) mostra a reconexão de uma mulher com sua vagina às vésperas de fazer 40 anos. A série espanhola As Garotas do Fundão (Netflix) retrata em um de seus episódios a descoberta do sugador por duas mulheres na casa dos 40. Já em Valéria (Netflix), também da Espanha, o uso de vibradores é rotineiro entre as personagens que estão entrando nos 30.

A mulher precisa conhecer o próprio corpo, e os chamados sex toys podem ajudar nesse processo, explica a psicóloga e sexóloga Raquel de Mello. “É poder você ter um objeto, um toy, um vibrador, para que você possa conhecer o seu corpo. Você se torna dona do seu corpo. E, sendo dona do seu corpo, do seu prazer, você se torna dona da sua vida.”

O que mudou para que esses produtos, antes comercializados em lojas escondidas, escuras e em meio a muita vergonha, passassem e ser tratados como um aliado da saúde feminina? Quem produz e vende afirma que a pandemia foi um divisor de águas em relação à procura desses itens por solteiros e casados. Mas não é só isso. Sócia-diretora da Exclusiva, maior rede de sex shops do país, Camila Gentile atua nesse segmento há mais de 25 anos. Suas 26 lojas físicas e plataforma online, que entrega em todo o país, inclusive via Rappi e iFood, viram as vendas crescerem 400% de 2019 para 2020. Hoje, o produto erótico é tratado como um item de saúde e não para sacanagem, libertinagem. E isso ajuda explicar essa mudança no comportamento de homens e mulheres. “Sexo faz parte. É como ir ao dentista, ao ginecologista, ao dermatologista. E temos de estar atentos aos requisitos básicos para que essa máquina funcione.”

Andréia Paro, uma das donas da Himerus, importadora e distribuidora das marcas Lelo e Feel & Lilit, também ressalta a mudança no posicionamento do setor, além da entrada de outros players nesse mercado. “Grandes marcas, Beleza na Web e Beauty Box, olharam, viram esse crescimento e apostaram. Se eu compro roupa na Amaro, por que não comprar um vibrador? São lojas de lifestyle”, explica.

Prazer revolucionário

E haver mulheres públicas falando disso ajuda a normalizar a utilização desses recursos para a autodescoberta. A apresentadora e empresária Angélica está à frente da plataforma de conteúdo Mina, que acredita que o bem-estar é revolucionário. “A gente está numa revolução, em que a mulher está podendo se expressar e colocar o prazer dela, sim, num lugar de destaque, num lugar onde ele deve estar. Acredito que falar de vibrador e de saúde é algo muito importante porque ele está ligado realmente à saúde da mulher”, afirma.

Além dos benefícios para corpo e mente, com a liberação de hormônios como ocitocina e dopamina, o orgasmo é crucial para o empoderamento feminino. “Culturalmente, é deixado para o homem ser responsável pelo prazer da mulher. E ela só vai começar a sentir prazer quando um homem permitir, quando estiver com ela, enquanto os homens se masturbam desde sempre”, contextualiza Raquel.

Mayumi Sato é sócia da Sexlog, a maior rede social de sexo e swing do Brasil, com quase 20 milhões de inscritos. Ela acredita que os comportamentos não mudaram tanto, mas estamos mais à vontade para falar sobre isso. E, dessa forma, as pessoas percebem que não são tão diferentes dos outros. Angélica faz coro: “É uma realidade, só que sempre foi escondida porque não era interessante deixar a mulher livre, tendo prazer feliz, se empoderando com o prazer dela, com a potência dela. Sem dúvida, uma pessoa pública, como eu, uma médica, um professor, um intelectual, falar sobre isso, sobre o prazer, sobre vibradores, é uma forma de você levantar uma bandeira do prazer, da alegria, da saúde física e mental das mulheres”.

Quem compra sex toys são mulheres que estão se informando sobre o prazer, conhecendo o próprio corpo. E isso normaliza a conversa, deixa de definir quem pode ou não dar prazer. Outro ponto é que os homens reconhecem essa sexualidade feminina, vendo os devices como um apoio e não um questionamento de sua capacidade, diz Mayumi.

Menos, rapazes, menos

Por isso, Camila vê um número cada vez maior de homens indo a suas lojas para comprar vibradores e outros produtos para suas parceiras. Mas, normalmente, escolhem algo grande, dentro da lógica do “tamanho é documento” e “quanto maior, melhor”. Dois ou três dias depois, as presenteadas vão à loja para trocar por algo menor, como um vibrador do tipo bullet.

O feminismo também tem um papel relevante nessa descoberta do prazer da mulher. “Não tem como falar de sexualidade feminina sem falar de feminismo”, diz Mayumi. “Esse avanço se deve ao movimento feminista, ao empoderamento feminino em todos os sentidos, passando também pelo corpo”, concorda Andreia.

E é por isso que a palavra consolo caiu em desuso. Objetos de prazer, como vibradores e sugadores, não são usados para aliviar sofrimento, dores ou mágoas. São aliados na vida de mulheres solteiras, casadas, jovens e maduras para descobrir o corpo e os benefícios que acompanham esse autoconhecimento. Não é um consolo, é o melhor amigo da mulher.

“Consolo é uma palavra pejorativa que vem do começo de tudo. O patriarcado trouxe muito esse cerceamento do prazer feminino, de a mulher não poder ter prazer, não poder se expressar, não poder falar”, diz Angélica.

Apoio, não competição

O vibrador nunca vai competir com o ser humano, que dá amor, afeto. “Mas ele possibilita sentir novas sensações e tipos de prazer. E não é só para mulheres. Homens também. É uma nova perspectiva, só tem a somar”, defende Andreia.

Aline Simões, de 30 anos, é casada há dez. Desde o namoro, ela utiliza brinquedos sexuais – com seu parceiro e sozinha. Mas são momentos diferentes. Individualmente, ela usa o sugador, normalmente, no banho. Com ele, o vibrador de casal, bullets, bolinhas.

“Fazemos isso desde os tempos de namoro. Depois, comecei a buscar mais por curiosidade e para fazer diferença na relação. O mais importante é que temos diálogo. Quanto mais exploramos o prazer, melhor é para nós dois. Sexo é saúde e é fato que quando a gente casa diminui a frequência, a gente cai na rotina. Passa a valer o sexo de qualidade e é preciso explorar esse momento”, conta.

Mas nem todo mundo é bem resolvido em relação a isso. “Sei que somos um casal à parte. Por isso, sempre que posso, presenteio minhas amigas com um vibrador”, diz Aline, que tem uma coleção de toys.

Infinita diversidade

Há brinquedos sexuais para todos os gostos: com vibração, sem vibração, de cristal, de silicone, com formato inspirado em bichos e com tecnologia de ponta e aparência superelegante.

É no autoconhecimento e na reconexão consigo mesmo que acredita Tutu Lombardi, dona da Cristais de Eros. Se você não se conhece e não sabe do que gosta, fica mais difícil dar prazer ao outro também, afirma. De forma artesanal, ela cria verdadeiras joias sexuais: bastões e plug anal com pedras brasileiras para amplificar e potencializar o prazer. Ela também produz yonni eggs, que são introduzidos no canal vaginal para fisioterapia pélvica e ajudar no prazer sexual.

“Hoje, o sexo é muito pautado na força e na potência. Estou na contramão da indústria. Não sou contra o eletrônico, a tecnologia. Mas acho perigosa a ideia de se viciar nessa potência que não é humana. E há mulheres que deixam de gozar por estarem viciadas nesses sex toys”, explica. “Não é sobre se masturbar, mas sobre fazer amor consigo mesmo. Qual a velocidade e intensidade necessária para cada um?”

Tutu passou dois anos desenhando e pensando nas peças. “Estudei a anatomia feminina e fiz uma autoexploração. Também fiz muitas perguntas às amigas e participo de um grupo de mulheres que me ajudam muito. O ponto G fica a duas falanges do seu dedo indicador. Cada peça é única, artesanal.”

Para homens também

Os cristais da Tutu são comprados principalmente por mulheres entre 30 e 50 anos, casadas ou que estão em um relacionamento. Mas ela também tem clientes de 70, assim como homens heterossexuais dispostos a investir no autoconhecimento.

O professor de inglês Angelo Souza, de 51 anos, é heterossexual e, há 12 anos, está no segundo casamento. Ele e a mulher são usuários dos Cristais de Eros. Ela já usava yonni eggs e, ao buscar algo semelhante, ele encontrou um post da Tutu para homens héteros. “Você já teve coragem de tocar sua próstata, de se dar prazer através desse ponto altamente libidinal?”. A pergunta aguçou o interesse do professor, que desde 2020 usa os bastões para estimulação da próstata para prazer físico.

Angelo nunca tinha experimentado nada parecido. “É uma ejaculação extremamente prazerosa e acontece sem que eu toque o pênis. A gente vai encontrando com o uso o ponto exato e aí esse tipo de orgasmo é possível. Tudo isso também melhorou muito a qualidade do sexo com minha esposa.”

A experiência de Angelo é tão positiva que ele recomenda. “Não desfrutar de todos os potenciais do próprio corpo é como usar um celular só para fazer ligações. Assim, os sex toys, de cristal ou não, são peças aliadas nesse processo. Eu nunca conseguiria alcançar e massagear minha próstata sem um instrumento como os bastões curvos por exemplo.”

Além da imaginação

Dos cristais para o mundo da fantasia. Sim, também há sex toys inspirados em dragões, alienígenas, serpentes, polvos, conchas e muito mais. Os objetos no estilo fantasy têm cor, nome e formato diferenciados. O que manda é criatividade. No mercado desde abril de 2021, a Monster D produz as peças em silicone platinum, o mesmo usado em próteses mamárias. E tem mais de 3 mil clientes, muitos deles frequentes. Renata Padovez é uma das sócias da empresa, que se inspirou em marcas estrangeiras como Bad Dragon e Geeky Sex Toys.

Tudo é produzido pela Monster D, exceto o bullet, que é importado. “O designer cria sempre pensando na funcionalidade e nos pontos de estimulação. Além disso, oferecemos em tamanhos diferentes”, conta Renata. Após a criação, os produtos são enviados para testadores e vão sendo ajustados com base nos retornos recebidos. “E já aconteceu de a gente lançar e fazer ajustes depois com base nesse retorno. Como nós mesmos fabricamos, temos muita flexibilidade.”

Nesse mercado, é preciso inovar. A meta da Monster D é ter um novo produto por mês. Para produzir tantos itens e tão diferentes, nada como ouvir o cliente. “Fizemos um concurso de design de dildos que contou com 50 projetos, 20 amadores e 30 profissionais.” E dentro dessa lógica de entender o que o consumidor quer, a empresa está criando um modelo que “ejacula” e uma capa peniana.

Seu público é mais jovem, entre 25 e 35 anos, bem decidido e não tem vergonha. Tem homem, mulher, transexuais, gays, solteiros, casais. Mas Renata tem observado um crescimento na compra por casais heterossexuais. Diferentemente de outras marcas, lá o tamanho é documento: os consumidores preferem os objetos maiores.

Orgasmo high tech

Já os produtos da sueca Lelo são minimalistas, orgânicos, elegantes. Apostam na experiência e na tecnologia de suas mais de 200 patentes e premiação em Cannes. São tratados pela marca como objetos de prazer. Verdadeiros objetos de desejo. Um dos vibradores de luxo é vendido por mais de R$ 84 mil. Já o sugador oferecido como item de entrada sai por cerca de R$ 400.

“É tudo pensado para um momento de prazer fácil e leve. Uma vibração que não machuca nem cansa o braço. É uma experiência que não está disponível em outra marca. Com a tecnologia Wave, por exemplo, o produto mexe sozinho, em ondas”, conta Andreia, dizendo que o principal público são mulheres heterossexuais acima de 35 anos.

Apesar de todo esse aparente avanço, ainda somos conservadores. Pesquisa realizada recentemente com mil mulheres acima de 18 anos em todo o Brasil, mostra que 83% delas têm interesse em usar brinquedos sexuais. Apesar disso, 63% jamais entraram em uma sex shop. E 75% nunca utilizaram um brinquedo sexual.

“Todos têm seus fantasmas. Por isso, ainda há muito a avançar”, diz Renata. “Lá fora, os vibradores estão nas drogarias, assim como lubrificantes e hidratantes íntimos para uso diário. Mas as mulheres de hoje vão impactar as futuras gerações, que vão ser mais abertas e exercer o erotismo de forma mais livre. Não tem escapatória, é um caminho sem volta”, afirma Andreia.

Toda rainha teve seu dia de plebeia

Com uma impecável jaqueta amarela e a autoconfiança de um herói de lenda, Freddie Mercury subiu ao palco do estádio de Wembley em 12 de julho de 1986 para encantar e comandar uma plateia de aproximadamente 72 mil fãs no que seria (não se sabia então) uma de suas últimas apresentações ao vivo. A seu lado, o guitarrista Brian May, o baixista John Deacon e o baterista Roger Taylor estavam longe de serem coadjuvantes. Aquele era o Queen, uma das mais intensas e populares bandas da história do rock.

Quem hoje assiste à gravação desse show histórico (íntegra no YouTube) pode achar difícil acreditar, mas os “campeões do mundo” foram um dia um bandinha como tantas brigando por um lugar ao sol na cena londrina do início dos anos 1970. O caminho que os tiraria da planície e os levaria ao estrelato começou com um disco, simplesmente chamado Queen (Spotify e YouTube), uma joia bruta, frequentemente negligenciada, que completa 50 anos na próxima quinta-feira.

Por que negligenciada? Dois motivos. Primeiro, o Queen é uma das raras bandas cujo álbum de maior vendagem é uma coletânea, Greatest Hits (Spotify e YouTube), de 1981, com 25 milhões de cópias vendidas até hoje. Tendo como critério os singles de maior sucesso, ela ignora quase inteiramente os dois primeiros discos da banda e, conquanto tenha de fato algumas de suas melhores músicas, não dá um panorama completo de seu trabalho. May e Taylor, por exemplo, cantaram ao menos uma canção cada em virtualmente todos os discos do Queen, mas esses registros ficaram de fora da coletânea.

Baseado em fatos surreais

O segundo motivo é que hoje, para a esmagadora maioria dos fãs, a história da banda, especialmente de seu princípio, é conhecida por meio do filme Bohemian Rapsody, de 2018, uma fantasia moralista com o rigor biográfico de Abraham Lincoln, Caçador de Vampiros.

Se não, vejamos. No filme, Farrokh Bulsara – nome verdadeiro de Mercury – era um jovem trabalhador braçal de origem indiana que sofria bullying no emprego e sonhava em ser um astro, enquanto admirava o Smile, bandinha que tocava no pub local. Um dia, ele toma coragem, se apresenta a dois dos integrantes do grupo, May e Taylor, no estacionamento e canta para eles. O Smile vira Queen com a entrada de Mercury e Deacon, mas a estreia de ambos é mal-recebida pelo público. Enfrentando essas adversidades, os bravos rapazes fazem de tudo para gravar uma demo, chegando a vender a própria van a fim de custeá-la.

O que há de verdade nisso? Basicamente os nomes.

Farrokh era formado em artes gráficas e design (é dele a logo do Queen), trabalhou com Taylor numa butique (“Ele era meu amigo doido”, lembra o baterista), através do qual conheceu May e Tim Staffell, baixista e vocalista do Smile, e cantava em grupos desde 1969. Não era um novato quando assumiu os microfones do Smile em 1970. Deacon só entrou um ano depois, mesma época em que o nome da banda foi mudado.

E a história da van? Nunca aconteceu e faz parte do esforço do filme para desmerecer a figura de John Deacon. Além de excelente baixista, ele era (ainda é, apenas se aposentou) um talentoso engenheiro eletrônico. Graças a seus contatos, foram convidados pelo estúdio De Lane Lea para testar seu novo equipamento, gravando uma demo de cinco músicas.

Com esse material, chegaram ao célebre Trident Studio, cujos donos decidiram também empresariá-los. Foi lá que gravaram seu primeiro disco.

Plumas e metal

O trabalho foi quase todo feito de madrugada, já que o estúdio era muito disputado. Em entrevista à revista Guitar World, Brian May disse nunca ter ficado satisfeito com o som do álbum. “As demos que gravamos no De Lane Lea estavam mais próximas do que sonhávamos”, lembra. “Um som de bateria mais amplo, uma ressonância da guitarra, e por aí vai”. Gênios tendem a ser perfeccionistas... O som do álbum, especialmente a guitarra, é único. Uma combinação do instrumento, feito pelo então adolescente May e por seu pai, com um amplificador “tunado” por John Deacon.

Com o disco pronto, o Trident foi à cata de uma gravadora que o lançasse, fechando com a EMI. Não foi o sucesso que todos os envolvidos esperavam, chegando à 32ª posição na parada inglesa e 83ª na americana, mas a resposta da crítica, em geral, foi boa. Gordon Fletcher, da Rolling Stone, disse que o quarteto tinha “todas as ferramentas para reclamar o trono do heavy metal abandonado pelo Led Zeppelin”, que buscava novos horizontes com Houses of the Holy (Spotify e YouTube).

Como assim, heavy metal? Então, heavy metal em 1973 era algo bem diferente, com solos, mudanças de andamento e ninguém arrotando à guisa de vocais. E Queen era, de fato, um disco de rock pesado. A sonoridade era tão única e complexa que, nos créditos, a banda fez questão de enfatizar a ausência de sintetizadores, saudável tradição que manteria ao longo da década.

Como foi dito, era uma joia bruta, mas quase todos os elementos que formariam nos anos seguintes o “som do Queen” já estavam presentes. A combinação entre o peso e a suavidade, as letras com um quê fantasioso de Mercury, os sons inusitados de instrumentos convencionais, a teatralidade. Faltava apenas a pegada descaradamente pop que Deacon acrescentaria dois discos depois.

Queen, o disco, envelheceu bem. Reflete uma época em que músicos precisavam saber tocar – e como eles sabiam... – e permite o vislumbre do quarteto que um dia dominaria o mundo.

Faixa a faixa

Se o gentil leitor não conhece o álbum Queen, Meio vem suprir essa lacuna.

Keep Yourself Alive (Spotify e YouTube): Por paradoxal que seja, a primeira canção de uma banda famosa pela pretensão era uma ode ao conformismo, cantada por Mercury quase em tom de piada. May e Taylor fazem um curto contracanto, antecipando o que viria a ser uma das marcas registradas da banda.

Doing All Right (Spotify e YouTube): Canção do Smile aproveitada no álbum, pareceria de May e Tim Staffell, ilustra a facilidade com que a banda passava do suave para o pesado sem perder a coerência sonora.

Great King Rat (Spotify e YouTube): Primeira composição de Mercury na discografia do Queen, é um típico rock pesado do início dos anos 70. O título e o refrão são uma brincadeira com uma cantiga infantil inglesa, Old King Cole.

My Fairy King (Spotify e YouTube): Mercury mergulhando na fantasia. A letra fala de Rhye, um reino místico que ele inventou e citou em diversas canções. O trecho “Mother Mercury, look what they’ve done to me” seria a origem de seu nome artístico. Além disso, é a primeira vez que ele toca piano em uma gravação do Queen. Mercury tinha uma grave síndrome de impostor em relação a seu talento como instrumentista. Não era Keith Emerson ou Rick Wakeman? Não, mas como tocava bem.

Liar (Spotify e YouTube): Raro exemplo de Mercury tocando órgão Hammond, instrumento-símbolo do rock progressivo, essa canção foi criada a partir de uma composição que o vocalista trouxe de uma de suas bandas amadoras.

The Night Comes Down (Spotify e YouTube): Embora tivesse apenas 24 anos quando compôs essa balada, Brian May aborda a maturidade e a saudade da juventude, um tema ao qual retornaria ao longo da carreira do grupo.

Modern Times Rock 'n' Roll (Spotify e YouTube): Quase um proto-speed metal, é cantada por seu autor, Roger Taylor, embora Mercury assumisse os vocais nas versões ao vivo.

Son and Daughter (Spotify e YouTube): De Brian May, é possivelmente a música mais pesada do disco.

Jesus (Spotify e YouTube): Não deixa de ser curioso que esta canção, cuja letra é quase um catecismo, tenha sido escrita por não cristão. Mercury foi criado na religião zoroastriana.

Seven Seas of Rhye... (Spotify e YouTube): Esse curto instrumental viria a ser desenvolvido numa canção completa (Spotify e YouTube) com o mesmo título no disco seguinte. É mais uma referência ao mítico reino de Rhye, criado por Mercury.

A primeira foto a gente nunca esquece

Desde a pré-História, os primeiros seres humanos olhavam os céus contemplando as estrelas. Conforme desenvolveu novas tecnologias, pôde olhar cada vez mais longe no Universo em busca de mais respostas. Nesta terça-feira, completa-se um ano desde que a Nasa apresentou a primeira imagem científica e colorida de seu telescópio mais potente já produzido, o James Webb Space Telescope (JWST), concebido em parceria com a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) e a Agência Espacial Canadense (CSA).

A imagem histórica foi divulgada diretamente da Casa Branca pelo presidente Joe Biden. De terno azul marinho, camisa branca e gravata quadriculada alvi azul, Biden discursou em coletiva de imprensa para anunciar o marco. “Hoje é um dia histórico. É uma nova janela no nosso Universo. É fascinante”, disse. O registro utilizando o espectro infravermelho é o mais profundo e nítido já feito do espaço. 

A pós-doutoranda em física pela Universidade da Califórnia, em Irvine, Estados Unidos, Marina Bianchin explica que o registro é o resultado da sobreposição de diferentes filtros de imagens feitas em diferentes comprimentos de onda. “Ela representa muita coisa porque, primeiro, é a quantidade de objetos que se enxerga no campo”. Um deles é o aglomerado de galáxias SMACS 0723, que já havia sido registrado pelo Hubble, mas com uma qualidade de imagem bem inferior à do supertelescópio. Também é possível ver outros objetos atrás desses aglomerados, graças ao campo gravitacional provocado pela massa dos corpos, que distorcem a luz do que está no fundo e cria o efeito de uma lente. Esse fenômeno é chamado na física de lentes gravitacionais. 

Outro ponto que chama a atenção foi o tempo levado para fazer o registro de todas as camadas que compõem a imagem: apenas 12 horas e meia. O Ultra Deep Field, uma das fotos mais conhecidas do Hubble, composta por quase 10 mil galáxias - ainda que não sejam as mesmas mostradas por JWST - levou pouco mais de 11 dias. “O principal é que essa imagem mostrou como James Webb consegue detectar objetos que são muito fracos em pouco tempo de exposição, porque é muito difícil detectar a pouca luz que chega dessas galáxias até nós”, explica Bianchin. 

“Nessa imagem estão registradas galáxias, inclusive, algumas bem próximas do início do Universo, por 300 milhões de anos [após o Big Bang]”, comenta Roberta Duarte, doutoranda em Astrofísica pela Universidade de São Paulo (USP). Ela explica que essa fase é muito próxima da “Era das Trevas”, momento em que ainda não haviam sido formadas as primeiras estrelas e galáxias, portanto, não havia luz sendo emitida.

Haja visão

Em seguida à divulgação do primeiro registro, a Nasa também revelou outras imagens produzidas por seu observatório estelar. Uma delas é do Quinteto de Stephan - que na verdade não é um quinteto, porque a galáxia mais à esquerda, mesmo estando no mesmo plano, está mais à frente que o grupo com as outras quatro galáxias. A foto é construída a partir de quase 1 mil arquivos que, ao se combinarem, formam esse registro com mais de 150 milhões de pixels. “O mais impressionante, para mim, é ver como é possível ver os agrupamentos individuais de estrelas nessa galáxia mais à frente”, comenta Bianchin. A astrofísica também destaca a quantidade de objetos detectados na foto, que não tinha como objetivo do telescópio registrá-los naquele momento. 

Na Nebulosa do Anel do Sul, o telescópio pôde registrar uma estrela binária ao centro, que ainda não tinha sido captada por nenhuma lente. Em relação às outras fotos, o que chama mais a atenção para Roberta Duarte é a qualidade de resolução alcançada. “Principalmente na Nebulosa Carina, a gente compara as resoluções do Hubble com as do Webb, e é um absurdo [a diferença] de uma para a outra”, destaca a astrofísica. “Nós conseguimos ter mais informações e ver com mais detalhes o processo de formação estelar”, conclui. Também foi possível ver detalhadamente a esfera do exoplaneta (planeta fora do Sistema Solar), WASP-96b, um planeta gigante quente e gasoso, que orbita uma estrela semelhante ao Sol - e detectar a presença de água em sua atmosfera.

Potência de ouro

Quando se fala de James Webb, os números são impressionantes. A começar pelo orçamento estimado em US$ 10 bilhões. A Nasa estima que 10 mil pessoas trabalharam durante as três décadas do projeto - foram 10 anos concebendo e outros 20 construindo. Somente seu escudo que o protege do calor e da luz solar tem o tamanho aproximado de uma quadra de tênis. Seu conjunto de 18 espelhos hexagonais de berílio revestidos por uma fina camada de ouro tem 6,5 metros de diâmetro e é quase três vezes maior do que o do Hubble. 

O grande diferencial de Webb para o Hubble é que ele consegue captar o infravermelho próximo e médio, enquanto Hubble capta luz visível, ultravioleta e somente infravermelho próximo. Isso é essencial para cumprir sua missão, de captar a luz emitida há mais de 13 bilhões de anos, quando o Universo começava a criar suas primeiras estrelas e galáxias, já que os objetos mais distantes emitem luminosidade com comprimentos de onda infravermelhos. Isso faz com que o supertelescópio não seja apenas o sucessor do Hubble, mas também um observatório com uma missão diferente: ver o que nenhum outro equipamento pôde ver. 

Outra missão é observar a atmosfera de alguns exoplanetas em busca de elementos que possam potencialmente sustentar vida extraterrestre. Para isso, Webb tenta localizar os elementos essenciais para a presença de vida utilizando a técnica da espectroscopia, para identificar átomos e moléculas a partir de sua radiação eletromagnética. No último dia 26, o telescópio encontrou, pela primeira vez no espaço, uma molécula de carbono em um disco protoplanetário, formado por gás e poeira ao redor de uma estrela, em um sistema na Nebulosa de Órion, a 1.350 anos-luz de distância da Terra.

Sr. James Webb

A Nasa tinha pouco menos de três anos, quando o advogado, militar e empresário James Edwin Webb foi chamado pelo então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, para assumir sua administração. Webb não entendia nada de foguetes, mas tinha ampla experiência em gestão de empresas públicas e privadas, e era visto por Kennedy como a melhor opção para assumir o cargo. 

À frente da Nasa, Webb deu aos cientistas um maior controle sobre a escolha de missões científicas e criou um programa de subsídios para pesquisa espacial, que financiou a construção de laboratórios em universidades e concedeu bolsas para alunos de pós-graduação. Foi ele quem, ainda em 1965, disse que a construção de um grande telescópio espacial deveria se tornar o maior esforço da agência. "É apropriado que o sucessor do Hubble seja nomeado em homenagem a James Webb”, disse o administrador da Nasa, Sean O'Keefe, ao anunciar o nome do mais ambicioso telescópio já lançado pelo ser humano. 

Mas a escolha para o nome do telescópio não foi aceita por unanimidade pelos astrônomos. Astrofísicos das universidades de Washington, New Hampshire e Chicago, além da organização JustSpace Alliance, criaram uma petição online com pelo menos 1.200 assinaturas para que o observatório tivesse seu nome modificado. Segundo o texto, Webb teria sido cúmplice de uma campanha discriminatória contra funcionários federais LGBTQIA+, que foram perseguidos e demitidos entre as décadas de 1940 e 60, período conhecido como Lavender Scare (Susto da Lavanda, em tradução livre). 

Ele foi Subsecretário de Estado entre 1949 e 1952, quando passou uma lista de memorandos ao senador que liderava o movimento, que discutia “o emprego dos homossexuais e outros pervertidos sexuais no governo”. Os autores do abaixo-assinado afirmam que “o legado de liderança de Webb é, na melhor das hipóteses, complicado e, na pior, cúmplice da perseguição”. 

Um caso emblemático foi a demissão do analista de orçamentos da Nasa Clifford Norton, em 1963, enquanto James Webb era administrador da agência espacial. Ele chegou a ser preso e interrogado por suspeita de ser gay. Ao ser levado para a Nasa, passou por um novo interrogatório, sendo demitido por suspeita de homossexualidade. Norton recorreu na Justiça e ganhou o caso por discriminação, em 1969. 

A Nasa se posicionou, alegando não ter encontrado evidências que justificassem a renomeação do telescópio. A agência afirmou ter realizado uma investigação no histórico de Webb, mas nunca forneceu detalhes do caso.

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Nossos leitores passaram a semana atentos à discussão sobre impostos, mas guardaram um tempo para a ciência e a (polêmica) emoção.

1. g1: Os principais pontos da reforma tributária.

2. YouTube: O comercial que usou deep fake para “unir” Elis e Maria Rita.

3. g1: O telescópio James Webb (olhe ele aí de novo) registra a colisão de galáxias.

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5. YouTube: Ponto de Partida - Bolsonaro inelegível na democracia relativa.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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