O poder do Supremo

O que é inevitável ou evitável na atuação política da mais alta Corte do Brasil, na análise de Diego Werneck Arguelhes, professor de Direito Constitucional

Diego Werneck Arguelhes estava no quarto ano de Direito quando ouviu, pela primeira vez, o nome de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi numa palestra do jurista Dalmo Dallari. E o nome era o de Gilmar Mendes, indicação do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi naquele momento que os magistrados da Corte ganharam vida para Arguelhes. Dimensões reais. Complexidades para além da dureza institucional com que se enxergava o tribunal nas arcadas. Arguelhes escolheu estudar o funcionamento do STF e seus ministros em 2009. Desde então, esmiuça comportamentos, padrões, limites — e busca desmistificar a noção de impessoalidade e isenção da cúpula do Judiciário. Professor associado de Direito Constitucional do Insper, Arguelhes conta o episódio da palestra de Dallari em seu mais recente livro: O Supremo entre o Direito e a Política. E, a cada capítulo, questiona as balizas de atuação da Corte e de seus titulares, trazendo uma visão bastante realista das relações políticas por trás dela.

Uma das conclusões de Arguelhes é a de que não seria possível desligar os ministros do Supremo das indicações políticas. “Uma pessoa com tanto poder precisa vir chancelada por alguém que tenha recebido votos. Isso é democracia.” Essa inevitável conexão, e o fato de que estamos cada vez mais expostos às motivações dos magistrados, podem dar a ideia de que a Corte é política demais. Mas há também os comportamentos evitáveis, a compostura esperada de quem deve ser membro independente do Judiciário. Co-coordenador, com o professor Rogério Arantes, da USP, da rede “Mare Incognitum”, de pesquisa empírica sobre o Supremo, Arguelhes entende que ministros do Supremo são legados de quem os indica. Estarão ali por décadas e decidirão conflitos sobre um outro Brasil. Confira os principais trechos da entrevista.

O senhor começa o livro analisando uma decisão sobre o 8 de janeiro. E pergunta no título do capítulo: “Eles podem fazer isso?”. Estamos vivendo o auge da atuação política do STF?
Vamos começar separando o que se pode chamar de atuação política. São três dimensões. Uma é se as competências e o alcance do poder do tribunal são maiores hoje do que eram nos anos 1990. Podemos falar também do impacto político das decisões. E há ainda a natureza dos temas envolvidos. Bom, certamente o poder do tribunal é maior hoje do que era há 30 anos. Isso porque mais questões de natureza política, relativas ao funcionamento interno do Congresso, ao dia a dia da política brasileira, a conflitos entre lideranças da política vão parar no Supremo. Muitas vezes os próprios políticos levam essas questões tipicamente da política para a Corte. Os poderes do tribunal já eram bastante amplos desde a Constituição de 1988. É importante enfatizar isso, porque o tribunal dos anos 1990 talvez fosse mais tímido do que a Constituição queria. O Supremo não usava todos os poderes de que dispunha. Há quem entenda que hoje o tribunal está se adequando a uma Constituição que já tinha o colocado num papel de proeminência. Esse é um tribunal que recebeu da Constituição o poder, por exemplo, para julgar omissões dos outros poderes — algo que não existe em muitos países. Quando o Legislativo não cria uma lei, o Supremo pode considerar isso inconstitucional e fazer algo a respeito.

E quanto ao impacto político das decisões?
Os constituintes queriam um Supremo poderoso, mas não imaginavam um tribunal que tivesse tanto impacto no dia a dia da política. Primeiro, eles nunca tinham vivido sob um sistema em que um tribunal era tão central, isso era uma coisa nova no mundo naquele momento. Havia o caso dos Estados Unidos e de outros países que inspiraram os constituintes, como Alemanha e Espanha, mas isso não era tão normalizado quanto se tornou de lá pra cá. Mais que isso, eles não imaginaram que haveria tantas ações penais contra políticos. Não que essa competência não seja do tribunal pela Constituição. Ela é. Temos uma prerrogativa de foro bem ampliada. Só que havia na Constituição a exigência de uma licença prévia das Casas para se processar um deputado ou senador. Essa grande barreira fez com que o Supremo não julgasse políticos nos anos 1990. Fora que a Procuradoria-Geral da República era mais passiva, entre outros fatores. Essa barreira constitucional cai em 2001 e, seis anos depois, chega à Corte o mensalão. Ele expressa muito do que a gente vê hoje: um tribunal julgando questões que não são políticas, são de direito penal, mas que a Constituição diz que, por se tratar de deputados e senadores, só o Supremo tem poder para julgar. Isso dá muito impacto político à atuação do tribunal, porque queira ou não, mesmo que esteja decidindo uma questão absolutamente técnica, está se decidindo o destino, eventualmente, de um presidente da Câmara dos Deputados. E eu falei de três dimensões, mas há uma quarta, que é a motivação, o comportamento político dos magistrados.

A motivação política dos ministros aumentou?
É difícil afirmar que os ministros pensavam menos ou mais politicamente nos anos 1990. Mas uma coisa dá para dizer: a motivação ficou mais visível. Seja por comportamentos dos ministros ou pelo uso de poderes individuais. Passamos a ter mais elementos para avaliar essa motivação. Mesmo antes do conteúdo da decisão, pela postura do ministro em público, pela velocidade com que um caso foi julgado ou que saiu de pauta, dá para imaginar motivações que tenham a ver com os partidos políticos afetados pela decisão, por exemplo. Não precisa nem ter um lado claro, mas só com a percepção de que aquilo vai gerar um impacto grande para atores relevantes já se bota o pé no freio. Com esses quatro fatores, dá para dizer que o Supremo se transformou, sim. Mais questões antes consideradas exclusivamente políticas são levadas ao tribunal; os poderes do tribunal são maiores do que em 1988, embora já fossem grandes lá — e se ampliaram com a reforma do Judiciário, em 2004; aumentou o impacto das decisões com a rotinização das ações penais contra políticos; e hoje temos mais elementos para desconfiar da motivação política dos ministros.

A TV Justiça e a consequente visibilidade dos votos dos ministros alimenta essa desconfiança?
Quando o Supremo cria a TV Justiça, não dá para saber se estava percebendo que havia um espaço para mais exposição pública ou uma demanda por essa exposição. São perguntas que a área discute. A TV Justiça é muito debatida pela academia, sobretudo porque é singular em termos comparativos. Só o México tem algo parecido. Mas o Brasil tem outra característica que já singulariza o tribunal em relação a outros Judiciários no mundo: mesmo antes da TV Justiça, já éramos um país em que os juízes deliberam em público. Isso é raro. Na maioria dos países, parte do procedimento pode ser público, se o processo não for sigiloso. Mas em órgãos colegiados, em que há vários juízes decidindo, em algum momento eles saem dos olhos do público para deliberar e decidir. No Brasil, é diferente. Os ministros do Supremo, assim como desembargadores numa turma ou ministros do Superior Tribunal de Justiça, quando vão interagir formalmente sobre uma decisão o fazem em público, já o faziam. Nesse aspecto, a TV Justiça tem o lado positivo de democratizar uma coisa que antes era visível só para quem estava em Brasília. O lado negativo é que ela estimula a personalização.

De que maneira?
Ela alimenta a ideia de que importa muito quem é o ministro, quais são os trejeitos, as preferências, com quem cada ministro se dá bem. Não que essas coisas não sejam relevantes para compreender o comportamento de juízes, mas é muito complicado que você passe para as pessoas a imagem de que tanta coisa depende de quem é o sujeito que está votando. Isso do ponto de vista do público. Agora, do ponto de vista dos ministros, estimula que eles busquem mais exposição também. A área tem menos estudos do que gostaríamos sobre esses impactos, mas há alguns, ainda não conclusivos, indicando parâmetros para medir [esse desejo de se expor]. Por exemplo, votos vencidos, extensão dos votos, frequência de participação nos debates. Agora, a TV Justiça permitiu que se aprendesse muito sobre o Supremo e que os ministros revelassem ali coisas que não gostariam de revelar. Foi graças às sessões televisionadas do mensalão que pudemos ver, muitas vezes, ministros tendo comportamentos no processo que eram mais de quem tem um lado do que de quem está entrando para ouvir e se deixar convencer por um colega com melhor argumento.

Os ministros são indicações políticas, e precisam fazer política para ser indicados. É realista esperar que os nomeados sejam independentes politicamente?
Tento separar o que é inevitável do evitável. Quando se cria uma instituição independente, almeja-se que essas pessoas possam olhar para um determinado problema, analisar os critérios e dar o seu juízo qualificado. Espera-se que essas instituições avaliem questões que dividem os políticos e a sociedade — e é esse tipo de questão que chega ali — e as decidam sem medo das consequências. Elas têm garantias no cargo para isso. E isso é muito bonito e importante na democracia. Não há como viver numa democracia sem o mínimo de controle sobre políticos, sem esse tipo de instituição. Agora, as garantias que as protegem para decidir com base na Constituição também permitem que a pessoa erre, aja de má-fé. São garantias que protegem o bom comportamento e, às vezes, o mau. Não há como fugir disso. Se você tenta corrigir esse problema, colocando mais controle sobre os ministros do Supremo, tornando mais fácil o impeachment, por exemplo, claramente isso terá um efeito ruim sobre aquilo que você queria proteger no início, que é a capacidade de essas pessoas decidirem sem medo dos políticos. Olha no governo Bolsonaro como foi fundamental ter um tribunal independente, e outros funcionários com independência no cargo, com estabilidade no âmbito da administração pública. Essa é a parte inevitável, de ter as coisas boas associadas a uma instituição convivendo com as ruins. No caso do Supremo, isso se agrava porque não se pode ter uma instituição acima dele. Se tivesse o Supremo do Supremo, estaríamos reclamando nos mesmos termos.

Também é inevitável que os ministros tenham padrinhos políticos?
Numa democracia, seria muito difícil se justificar que pessoas que exercem esse tipo de poder não passem pelo controle de quem recebeu voto. Não é uma questão técnica. Não se resolve em concurso. Eu não gostaria de viver num país em que pessoas com o poder de decidir se eleitos agiram certo ou errado não sejam, de alguma forma, chanceladas também pelo voto. Isso não seria uma democracia.

Mas daria para eleger ministro do Supremo pelo voto direto?
Esse é um ponto importante. Não dá para radicalizar. O extremo, de um lado, é a ideia de que um ministro do Supremo tem de ser tão independente que políticos não podem indicar, resolve numa prova ou os próprios ministros do Supremo escolhem quem vai ser o próximo. De outro, é adotar a eleição direta, como o tribunal constitucional da Bolívia ou de alguns estados americanos. Esse é um sistema que me parece também muito ruim, porque o que você espera dessas instituições é que elas sejam independentes inclusive do apoio e da pressão popular. Aí talvez seja democracia demais. Desse modelo decorre até a pergunta de para que ter um tribunal, se você pode decidir tudo com mais um ator que responda ao voto. O meio do caminho é uma relação com a política que permita dizer que essas pessoas não caíram do céu, sem passar por algum tipo de chancela, de legitimação democrática. Mas você também não quer que seja uma relação em tempo real. Temos que aspirar por uma relação mais de médio e longo prazo. Se determinadas visões ganham no voto cargos na presidência, no Senado, faz sentido que cinco, 10, 15 anos depois, se essas visões se tornam dominantes nas posições eleitorais, que elas possam influenciar como o tribunal vê o mundo, influenciar na escolha de novas pessoas que vão chegar lá.

Isso justificaria um ministro terrivelmente evangélico, por exemplo?
Eu acho legítimo. Quando o ex-presidente Bolsonaro falou que ia indicar alguém terrivelmente evangélico, parte daquilo era uma concepção equivocada do que é o papel da Suprema Corte. Tinha uma mistura do papel da religião na decisão judicial que não deve ser normalizada. O papel dos ministros não é representar visões religiosas. Por outro lado, me parece totalmente legítimo que um país que tem uma comunidade evangélica crescente tenha a discussão política, relevante, sobre se ela está ou não representada nessas instituições. É legítimo que um presidente diga “eu quero que esse seja um tribunal que inclua pessoas que tenham esses valores importantes para a população”. Agora, os ministros são pessoas. E não é só com ministro do Supremo que esse problema aparece. Talvez o peso seja diferente entre tribunais, mas um juiz tem posições sobre o que é justiça, se o Brasil é um país justo ou não, qual deve ser o papel do Estado — são perguntas que dividem as pessoas e a política. Então, enquanto é indesejável que essas pessoas não sejam escolhidas por quem recebeu votos, é também inevitável que essas pessoas decidam casos que vão ativar as suas concepções políticas.

É inevitável que, conforme o Supremo vai se tornando mais poderoso, os políticos queiram escolher ministros de acordo com o que pensa seu eleitorado.

O que é evitável, então?
É evitável que os ministros usem essas garantias de independência para apoiar, às vezes de maneira muito clara, determinados lados numa disputa política; que os ministros usem essa posição de poder e de independência para se comportar como se não tivessem limites, sem distanciamento dos conflitos que estão decidindo. Nada no desenho de independência exige que você tolere que o ministro tenha o comportamento que quiser, fale o que quiser, se encontre com quem quiser. São coisas que a gente normalizou na política brasileira. Na Suprema Corte americana, eles também têm problemas desse tipo, como no caso do ministro Clarence Thomas. Eles também enfrentam dilema de como deixar claro que há limites para o que esses juízes podem fazer sem correr o risco de criar mecanismos que afetem negativamente sua independência, a ponto de eles não poderem mais decidir para limitar os políticos. Mas uma coisa muito importante lá fica evidente num caso da Ruth Bader Ginsburg. Ela fez uma crítica pública ao Trump quando ele era candidato. E foi criticada duramente pela imprensa. Alguns dias depois, publicou uma nota dizendo que havia errado, que aquela não era a conduta esperada de uma juíza da Suprema Corte e que seria mais circunspecta no futuro. Esse é um exemplo virtuoso. Óbvio que as pessoas vão cometer erros de comportamentos, deslizes, mas é importante que fique claro qual é o comportamento ideal.

O senhor já mencionou a função do Supremo de “controlar os políticos”. Pode vir daí a percepção de poder excessivo do Supremo?
Do ponto de vista constitucional, o Supremo é uma instituição de controle que precisa ela mesma de limites. O desenho institucional é de que, em troca de certas garantias de independência e muitos poderes para essa instituição, ela tem limites que os políticos não têm. O juiz não pode fazer coisas que políticos podem fazer, falar coisas que os políticos podem falar. Os políticos podem criar coisas na cabeça deles, os juízes, não. Não faz sentido dizer que o tribunal tem mais poder que os outros poderes. É uma divisão de trabalho. Por isso, o inquérito das fake news gerou perplexidade. Não tanto pela questão específica. O ponto é que quando um juiz pode recorrentemente iniciar procedimentos investigativos, isso erode um dos limites colocados pra cercar o poder do juízes. Essas muralhas é que dizem “você é muito poderoso na sua cidadela, mas ela é limitada, olha as coisas que você não pode fazer fora dela”. Liberar juízes para recorrentemente iniciar procedimentos investigativos aumenta demais o poder da instituição.

Na mesma linha, está a crítica ao poder individual dos ministros. É dele que decorre a arma retórica da “ditadura do Judiciário”?
Tem uma relação, sem dúvida. Devido a muitas contingências do nosso desenho institucional e do calendário eleitoral, Alexandre de Moraes ficou presidente do TSE e relator do inquérito das fake news ao mesmo tempo. Isso foi totalmente acidental e talvez não aconteça nunca mais. Essa combinação extrema de poderes, de instituições diferentes, deu a ele um grande poder de ação individual. E isso sem dúvida alimenta a narrativa da “ditadura”. Agora, a crítica ao excesso de poder individual dos ministros é relevante. É muito importante enfatizar isso. Não é uma crítica de quem está atacando o tribunal porque discorda das suas decisões no arco do governo Bolsonaro. É uma coisa que a área vem falando há 10, 15 anos, em outros contextos políticos. Não é justificável um tribunal em que o ministro sozinho possa tomar decisões de tanta magnitude sem passar pelo controle de seus colegas. Um exemplo importante foi a indicação do Lula pra ser ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff em 2016. A nomeação foi suspensa por uma decisão monocrática do Gilmar Mendes, citando os áudios do então juiz Sergio Moro. Essa decisão não passou pelo controle do colegiado e em questão de semanas perdeu seu objeto, porque Dilma foi suspensa do cargo. Então, o Supremo nunca deu uma decisão colegiada sobre aquele caso, nunca decidiu se Gilmar acertou ou errou ao fazer a aplicação daquelas ideias. A ministra Rosa Weber criou, em dezembro de 2022, com o apoio dos colegas, uma resolução que limita bastante os poderes individuais dos ministros — não de decidir, mas determinando que essa decisão seja submetida ao colegiado. Eles decidem sozinhos, mas agora não podem impedir que um dos colegiados avalie se o que fez deve permanecer ou não.

A ideia da ditadura judicial é uma hipérbole perigosa, usada para ataques ao Supremo e que pode minar as críticas legítimas feitas ao excesso de poder individual. Mas é importante observar que Alexandre de Moraes não fez o que fez sozinho. O tribunal teve bastante apoio de outras instituições.

Em que momentos, por exemplo?
No caso do ex-deputado Daniel Silveira. A Câmara poderia ter suspendido a ação penal. A qualquer momento, poderia ter apreciado se as medidas que Moraes aplicou ao longo do processo —tornozeleira eletrônica, multa, recolhimento em casa — deveriam ser relaxadas ou não. A Câmara não fez isso. Para quem está pensando no problema de excesso de poder individual e de concentração de poder do Alexandre de Moraes, e essa é uma preocupação legítima, é importante observar o quanto o Supremo não estava sozinho nesse processo. Assim como agora, o governo federal, após o 8 de janeiro, parece estar ok com o Supremo centralizando muito do esforço de punição, o ministro Moraes especificamente. Existem instituições que podem pavimentar a atuação do tribunal.

No seu livro, o senhor diz que ministros do Supremo são legados. Como avaliar o legado dos presidentes recentes nessa frente?
Eu uso a ideia do legado e entendo que ela é também inevitável. Um ministro pode ter sido indicado há 20, 25 anos. Muitas vezes os acordos políticos que levaram apoio a seu nome, as questões que estavam na agenda do momento, os eventuais interesses que o governo tinha quando o indicou, o que era visível no horizonte, nada disso existe mais. O ministro é lançado décadas depois em outras pautas, em conflitos entre outras forças políticas. Em outro Brasil. Às vezes, isso opera a favor de ministros. Por exemplo, no caso do Celso de Mello. Ele foi um ministro muito respeitado do Supremo, se aposentou depois de mais de 30 anos no tribunal. Quando foi indicado por Sarney, era um jovem membro do Ministério Público de primeira instância, que tinha ocupado funções de assessoria no governo federal durante a Constituinte. Mas não tinha uma carreira relevante. No entanto, você pode criticar ou discordar de decisões dele, mas não dizer que era um ministro político ou mesmo apontar claramente quem o indicou. Agora, o presidente está colocando alguém que vai ficar lá décadas. Futuras gerações vão ter de conviver com aquela escolha. Você pode dizer “poxa, eu tenho uma visão mais liberal e o ministro X é mais conservador, foi ruim para o país que o presidente indicasse uma pessoa com esses valores”. Mas essas são as coisas em disputa na democracia. Eu posso achar ruim, mas é do jogo. O que não deveria ser considerado do jogo é você indicar pessoas que não vão atuar como juízes. O maior legado deveria ser indicar alguém que daqui a décadas as pessoas possam olhar e falar “nem lembro quem indicou”. E não como um prolongamento de interesses políticos que foram se renovando ao longo do tempo.

Faz sentido pensar, então, em legado no aspecto de gênero e raça?
Faz. Isso é muito importante não porque o Supremo seja uma instituição de representação no mesmo sentido que o Congresso. Não é. Eu acredito na ideia de que por mais que se possa ter visões de mundo, experiências diferentes em função de gênero de raça e isso possa afetar a decisão judicial, os juízes consigam se distanciar minimamente dessas questões e considerar o que o direito permite fazer. Isso é um ideal importante. Agora, num país como o Brasil, se você tem a chance de indicar alguém que vá contra a tendência construída, que se naturalizou, de serem homens brancos nas posições de poder, por que não faria? Olha como foi importante a presidente Dilma ter indicado a ministra Rosa Weber. É uma maneira muito fácil, embora insuficiente, de se fazer algo importante para o tribunal. Defendo que o presidente Lula adote, por iniciativa própria, um procedimento mais transparente e estruturado de busca por nomes. Em última instância, é claro que o poder de indicar é dele. Mas ele poderia usar esse poder para criar um procedimento em que recebesse nomes e uma comissão filtrasse, de acordo com o currículo. Selecionaria 10 nomes para o presidente escolher. Pelo menos assim, teríamos uma ideia muito clara de quem são as pessoas que poderiam ter sido indicadas, que atenderiam esses requisito do cargo, e que não foram. A surpresa de alguns com o Zanin é um sintoma de que, da maneira que o sistema funciona, ele não permite que o debate público aconteça de forma suficientemente informada.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.

Se você já é assinante faça o login aqui.

Fake news são um problema

O Meio é a solução.

R$15

Mensal

R$150

Anual(economize dois meses)

Mas espere, tem mais!

Edições exclusivas para assinantes

Todo sábado você recebe uma newsletter com artigos apurados cuidadosamente durante a semana. Política, tecnologia, cultura, comportamento, entre outros temas importantes do momento.


R$15

Mensal

R$150

Anual
(economize 2 meses)
Edição de Sábado: A primeira vítima
Edição de Sábado: Depois da tempestade
Edição de Sábado: Nossa Senhora de Copacabana
Edição de Sábado: O jogo duplo de Pacheco
Edição de Sábado: A política da vingança

Meio Político

Toda quarta, um artigo que tenta explicar o inexplicável: a política brasileira e mundial.


R$15

Mensal

R$150

Anual
(economize 2 meses)

O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

Sala secreta do #MesaDoMeio

Participe via chat dos nossos debates ao vivo.


R$15

Mensal

R$150

Anual
(economize 2 meses)

Outras vantagens!

  • Entrega prioritária – sua newsletter chega nos primeiros minutos da manhã.
  • Descontos nos cursos e na Loja do Meio

R$15

Mensal

R$150

Anual
(economize 2 meses)