O Pogrom do Hamas

O ataque do dia 7 de outubro a israelenses causa mais que um trauma. Ao destruir a ideia de um lugar onde judeus estão seguros, deixa uma Israel transformada

No sábado aconteceu o maior atentado à vida de judeus indefesos desde a Segunda Guerra Mundial.

Sem assimilarmos esta frase, esta informação, a percepção do tamanho do que houve, não é possível sequer começar a compreender o impacto do que foi o 7 de outubro de 2023 em Israel. Porque há, simultaneamente, duas dimensões no ataque do Hamas.

Uma é de um ataque político com o objetivo de impedir a solução de paz pelo caminho da formação de dois países, um Israel, outro a Palestina. Esta negociação, no momento, sequer está na mesa. Mas retornar às conversas de 2000 em Camp David, quando Bill Clinton, Ehud Barak e Yasser Arafat se sentaram juntos e saíram sem acordo ajuda muito a compreender por que o Hamas escolheu agir neste momento. Pelo lado político.

Mas o outro ataque foi à ideia do que Israel representa. Porque, para israelenses, para judeus na Diáspora, Israel é mais do que o retorno à Terra Prometida de seus ancestrais. É uma resposta ao antissemitismo milenar que, num crescendo, chegou ao ponto dos pogroms seguidos do Holocausto. Israel é a promessa de segurança, de que será possível viver sem medo. Bem mais de uma vez o país foi invadido por exércitos regulares, mais de uma vez os rebateu. Houve o tempo em que ataques terroristas eram corriqueiros, Israel sobreviveu. Ao ponto de se tornarem quase mitológicas a eficiência de Mossad e Shin Bet, a polícia federal do país. O desenvolvimento tecnológico para segurança, os sensores, os muros, os drones, a inteligência artificial.

Israel é a constante mensagem de que judeus estarão seguros. O massacre do 7 de outubro com suas centenas de mortos, o sequestro de jovens, as crianças e idosos cujos corpos foram dilacerados, tudo reafirma o contrário.

O Hamas promoveu um pogrom. O primeiro desde a fundação do Estado de Israel.

Camp David

Em julho de 2000, a campanha eleitoral americana entre George W. Bush e Al Gore estava em curso e o candidato democrata havia escolhido não incorporar Clinton na trilha. Embora no comando de uma economia que se fortalecera a olhos vistos, o presidente americano ainda se sentia manchado pela tentativa de impeachment pelos adversários republicanos no primeiro mandato e o caso extraconjugal com a estagiária Monica Lewinsky. Clinton procurava algo pelo qual seria lembrado na história. E a paz entre Israel e Palestina parecia à mão.

O líder histórico da causa palestina, Yasser Arafat, havia apertado as mãos do premiê israelense Ytzhak Rabin no jardim da Casa Branca no início do governo de Clinton, em 1993. Naquele momento, o encerramento de uma série de acordos firmados em Oslo, Noruega, Arafat depositava as armas da Organização pela Libertação da Palestina, um grupo terrorista, que se reorganizava apenas em seu braço político. O Fatah.

Desde então, o esboço do que poderia ser um acordo de paz que permitisse a fundação da Palestina como país independente já circulava entre diplomatas. O que Clinton tinha diante de si é que o primeiro-ministro israelense, Ehud Barak, estava disposto a formalizar a proposta. A Palestina se formaria com 92% do território da Cisjordânia mais toda a Faixa de Gaza. Uma ponte territorial ligaria as duas terras. O novo país teria ainda controle de Jerusalém Oriental — o lado árabe e o cristão — e o Monte do Templo, onde está a Mesquita de al-Aqsa, seria de custódia compartilhada. Em troca, os palestinos precisariam desistir da busca pelo retorno às casas de seus ancestrais.

Em Camp David, Arafat teve nas mãos a mais abrangente proposta jamais feita por um governo israelense até ali. E a recusou.

A recusa ocorreu por dois motivos. O primeiro é que Barak, àquela altura, já era um premiê fraco. Enfrentava baixa popularidade. Arafat temia, e talvez com razão, que o parlamento israelense não aprovasse o acordo oferecido. Se Arafat cedesse e Israel tirasse a oferta da mesa, seu desgaste não seria pequeno.

Ao longo das décadas, o que Arafat conseguiu foi transformar a causa palestina numa causa que mobilizava, e ainda mobiliza, todos os árabes. Há fortes tintas antissemitas em como o objetivo da luta é percebido na sociedade árabe. O direito ao retorno às casas abandonadas por avós e bisavós é visto como central. O controle total de Jerusalém e do monte cravado no centro da cidade, com o domo dourado de al-Aqsa em seu topo, idem. No limite, o objetivo desejado é a aniquilação de Israel.

Qualquer acordo de paz possível passa, inevitavelmente, por frustrar aquilo que a OLP incitou a população a desejar por tantas décadas. Por aquilo que o Hamas ainda insufla como objetivo final. Arafat precisava de duas seguranças. A garantia de que Barak conseguiria aprovar a proposta e a certeza de que os governos árabes o apoiariam no acordo. Principalmente os governos importantes, como o da Síria, o da Jordânia, o do Egito. O da Arábia Saudita.

Claro: Arafat tinha outro caminho. O de correr o mesmo risco ao qual Ehud Barak se expôs. Mas Arafat não foi o grande estadista que poderia ter sido.

O nó político, porém, segue o mesmo. O fato de que Israel estava no caminho de normalizar suas relações diplomáticas com a Arábia Saudita é chave. Conforme as relações entre países no Oriente Médio vão se estreitando e Israel vai se integrando mais e mais, no momento em que um grupo político palestino topar sentar-se à mesa para conversar em cima dos mesmos parâmetros, a conversa será mais fácil.

O Hamas sabe disso. E entrou para criar uma situação de conflito grave que dificulte, para os sauditas, abraçar o país enquanto há guerra contra palestinos.

O pogrom

O que talvez o Hamas não pudesse esperar era o tamanho do impacto que seu ataque teria. Que todas as defesas israelenses cairiam por terra. Que por várias horas, sem grande resistência, poderia matar centenas de pessoas com um nível de violência a que o povo judeu não era exposto há um século. O Hamas trouxe de volta o pesadelo. Ao fazê-lo, atingiu no cerne a sensação de segurança que nasceu da formação do Estado de Israel. De Eretz Israel.

Deste ataque ficará não só um trauma. Ficará uma Israel transformada. Ainda não sabemos como.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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