É tudo culpa da Secom e de Paulo Pimenta?

Queda de popularidade de Lula nas pesquisas provocou críticas sobre como o governo se comunica com diferentes públicos, mas a responsabilidade pelas falhas não está só no ministério

Lulistas, petistas e assemelhados, graúdos e miúdos, com maior ou menor nível de angústia, aparentemente descobriram que a comunicação do governo está ruim. Ou já haviam constatado o fato, mas, agora que apareceu uma pesquisa dizendo que a avaliação do governo Lula declinou, reconheceram a urgência de dizer que a comunicação política do governo tem parte importante nisso.

Se a piora não se deu nos fatos, mas na percepção pública, e quem move a opinião dos cidadãos é a comunicação, no final da cadeia de conclusões é ela quem leva a culpa pelo desastre. E como quem toca a comunicação do governo federal são, afinal, a Secom e o ministro Paulo Pimenta, quem mais precisa ser responsabilizado por isso?

Houve, claro, lulistas influentes a dizer que não era bem assim e a oferecer interpretações alternativas dos fatos. O ator José de Abreu, por exemplo, partilha da ideia de que Lula “está fazendo um governo exemplar” que não se reflete na percepção pública predominante, mas prefere explicá-la com a tese de que “a direita, com a força da mídia, o persegue”. Que é uma das hipóteses mais populares do repertório petista. Na realidade, tudo vai bem, mas ninguém resiste à mídia, unitária e insidiosa, esculpindo, dia a dia, as opiniões e os sentimentos dos cidadãos.

E remata com o que muitos lulistas pensam, mas não publicam; quer dizer, com a sugestão de que tem gente criticando a comunicação simplesmente porque cobiça o cargo. “Compreendo que todos esquerdistas somos inteligentes, cultos, e nos sentimos especialistas em comunicação”, mas é “impossível contratar todos”. Entendedores entenderão a quem se destina essa flecha.

O argumento de que a mídia é adversária e hostil a Lula é um clássico, usado em qualquer situação em que o PT tem dificuldade com a opinião pública. Na verdade, esse argumento pode ser aplicado, com as devidas adaptações, por qualquer governo. Os apoiadores do presidente Bolsonaro, por exemplo, têm recorrido à narrativa de perseguição midiática como uma justificativa para crises em diversas ocasiões. Além disso, soma-se a essa argumentação a tese de que setores progressistas, ao criticarem a comunicação e o comportamento do governo, contribuem para neutralizar as conquistas de Lula e criar uma impressão distorcida e negativa de sua administração. No mínimo, argumentam que esses críticos fornecem munição para os opositores. Nessa perspectiva, as crises de imagem, popularidade e percepção pública são interpretadas não como reflexo da realidade ou falhas na comunicação do governo, mas como resultado de um esforço intencional da mídia e dos críticos.

À parte a linha de zaga tradicional do governo, contudo, muitos verbalizaram uma crítica que vem desde 2013 e que vai se tornando cada vez mais impaciente. O influenciador digital Felipe Neto, um dos mais influentes governistas das quebradas digitais, e que sempre insistiu na hipótese de que o governo está perdido na comunicação, cravou com todas as letras: “O PT precisa entender q a rejeição ao governo é única e exclusivamente por deficiência de comunicação. As notícias são quase todas positivas. Ainda assim, a comunicação não funciona e a massa cai no papo do WhatsApp de q Lula odeia judeus. A esquerda não consegue comunicar”.

O deputado André Janones, que foi importante na campanha de 2022 por enfrentar os bolsonaristas no terreno e na linguagem deles, mesmo em desgraça no campo progressista, mandou mais um recado. E com um exemplo concreto que deveria fazer os petistas pensarem:

“Ei, imprensa e pseudos intelectuais progressistas: a massa (aqueles decidem eleições), estão CAGANDO para os direitos daqueles que são mortos pelos PMs. Toda vez que vocês colocam em letras garrafais em suas manchetes a fala do Tarcísio, onde ele diz que não está “nem aí” para irregularidades cometidas por esses bandidos disfarçados de policiais, vocês pavimentam o caminho dele e de outros nomes da extrema direita em seus projetos de poder. É elementar, é básico, mas quem vive na bolha do mundo de faz de conta das redes parece que não compreende. De nada”. Rá!

A crítica é mordaz e contém uma novidade em relação à linha que teve como alvo direto o ministro da Secretaria de Comunicação do Governo. O objeto da crítica de Janones não é a comunicação do governo, mas a comunicação política da esquerda. Um pouco no sentido da crítica de Felipe Neto, que, compreensivelmente, mistura as duas coisas. Não é apenas que a comunicação governamental está perdendo a batalha da comunicação para quem trabalha contra o governo, é que a comunicação da esquerda é ineficaz e contraproducente. E, ao que tudo indica, não apenas porque não domina as habilidades da comunicação digital nem sabe produzir e distribuir eficientemente a comunicação em redes, é que para se comunicar com eficácia é preciso conhecer a base, os públicos, a massa; e a esquerda não os conhece.

Não é fácil levar as pessoas a concordarem com um diagnóstico das causas quando a popularidade de um presidente cai ou quando o apoio da opinião pública diminui e, aparentemente, nada na ordem da realidade parece autorizar a mudança de humor do público. Realisticamente, como disse o jornalista Renato Rovai esta semana numa live, as coisas tendem de fato a explodir no colo de quem cuida da comunicação, mesmo que a confusão, o desalinhamento, as contradições e as improvisações sejam gerados pelas diversas partes que compõem o governo.

Se o próprio governo não reconhece uma estratégia de comunicação coerente e consistente ou se ninguém dá a mínima para ela, não tem comunicação que dê certo.

Se Lula fala para o público que quer, mas não para quem deveria falar, se adota o tom que quiser e fala o que lhe der na telha, não há estratégia de comunicação que possa sair recolhendo os cacos e as consequências para, a posteriori, consertar o que já se perdeu. Se multiplicarmos isso por ministérios e celebridades governamentais, que as temos muitas, teremos cacofonia e caos, não comunicação governamental.

Na verdade, creio que tenhamos aqui algumas ordens de problema, mesmo admitindo-se que a Secom e o ministro Paulo Pimenta venham de fato enfrentando alguma dificuldade no gerenciamento da comunicação presidencial.

Primeiramente, há que se considerar o “fator Lula” nessa equação e a sua impressionante capacidade de gerar crises e minicrises em moto contínuo. A impressão que se tem é que Lula vem crescentemente aderindo à “estratégia do cercadinho”, de bolsonariana memória, que consiste em falar apenas para os seus seguidores por meio de uma fala direta a públicos íntimos de apoiadores que lhe fornecem imediatamente cumplicidade, paixão e afinidade ideológica. É isso o tal “cercadinho”. Nesse modelo de comunicação, não apenas se ignoram todos os outros públicos, como também se busca, intencionalmente, na adulação dos seus, a provocação do “outro lado”.

Então, não é que Lula atravesse a rua para procurar cascas de bananas em que pisar, como se diz. É que o par “agradar à tribo — enfurecer o outro lado” é a tática posta em ação. Para isso, é preciso ter um círculo íntimo de pessoas com intensa afinidade ideológica, enorme cumplicidade e paixão arrebatadora. Se Paulo Pimenta tem, de fato, um problema, é que ele não parece ser a voz que dissuade, diverge, aponta as armadilhas e os perigos dessa atitude, mas é parte do círculo íntimo de Lula que, depois que explodem as bombas, aparece nas mídias digitais e do jornalismo para dobrar a aposta, justificar o chefe e amigo e, naturalmente, atacar quem o critica.

Em segundo lugar, é incompreensível que os progressistas em geral e os lulistas em particular não assumam a sua própria responsabilidade na comunicação política do governo. Se tem um consenso hoje entre pesquisadores e especialistas em comunicação política é que um modelo de comunicação de cima para baixo não é páreo para a comunicação horizontal. A Secom deveria cuidar de uma estratégia e de um planejamento de comunicação top-down, claro, mas a comunicação horizontal e bottom-up é feita pela base, por influenciadores ou por qualquer um que desça às arenas digitais para discussão política.

Nessa arena, as três tribos políticas mais fortes (lulistas, bolsonaristas e identitários) comunicam não apenas através do que dizem, mas principalmente do que fazem. Dois desses grupos, lulistas e identitários, são a ponta de lança da comunicação política horizontal do governo e são, simultaneamente, uma causa constante dos problemas de imagem e de percepção pública que alcançam o PT e o presidente.

São verdadeiras falanges que passam o dia procurando briga, assediando, importunando, insultando qualquer dissidente ou crítico, publicando barbaridades e, o que talvez seja pior, arrastando Lula e o PT para todas as roubadas, controvérsias e tretas. São o público do cercadinho, mas também infantaria das guerras culturais, os membros das alcateias que passam os dias mordendo e arrancando pedaços, guerreiros da Justiça, os exibicionistas das próprias virtudes, os vigilantes digitais e os matadores de reputações. Quem os suporta? Só membros da própria seita. E se “isso é o PT e o governo” as feições são medonhas e o melhor é guardar distância.

Em terceiro lugar, surge a questão prática e concreta de que tanto os profissionais da comunicação governamental quanto os praticantes da comunicação política horizontal parecem não compreender completamente o que está em jogo nem quem são os jogadores.

Um exemplo ilustrativo é apresentado pelo antropólogo Juliano Spyer em sua coluna na Folha de 11 de março. Ele desmonta o argumento de que a queda de popularidade de Lula entre os evangélicos seria resultado dos ataques feitos por ele a Israel. Spyer sugere, em vez disso, outra explicação. Segundo o antropólogo, entre os evangélicos, ganhou força nos últimos meses uma mensagem disseminada exaustivamente em grupos de WhatsApp e redes sociais. Essa mensagem afirma “que o governo do PT é alinhado com o identitarismo de esquerda e, portanto, é contra os valores da família cristã”, apesar de alegar apoiar os evangélicos. E deu um exemplo da contra-comunicação da esquerda: “A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, mostrou em entrevista recente à TV Brasil o que não fazer em relação a esse tema. Ela reduziu o problema da comunicação entre governo e evangélicos à atuação de pastores ‘mentirosos’ que ‘vão para o inferno’ porque se aproveitam da ‘boa-fé’ (falta de instrução) dos fiéis. É quase uma peça antipetista pronta”. É isso.

Assim, há, de fato, uma comunicação política horizontal mais eficiente da direita conservadora, não apenas porque ela não hesita em adotar notícias falsas e explorar o medo das pessoas, mas também porque compreende os diferentes públicos, direciona suas mensagens especificamente ao seu alvo e entrega mensagens sob medida para produzir os efeitos desejados.

Enquanto isso, os seguidores de Lula e os identitários se envolvem em todas as controvérsias, iniciam brigas e gritam na cara dos outros “vocês vão ter que nos engolir”. Essa é uma questão de comunicação política e governamental, que molda impressões, opinião pública, imagem e percepção. É tudo culpa da Secom?


*Wilson Gomes é doutor em filosofia, professor titular da Universidade Federal da Bahia e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada".

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24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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