Edição de Sábado: Descriminalizou, e agora?

Na última quarta, chegou ao fim o julgamento sobre o porte de drogas que se arrastava no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2015. A corte aprovou a descriminalização apenas do porte de maconha e, provisoriamente, estabeleceu critérios objetivos para diferenciar o usuário do traficante: 40g ou seis plantas fêmeas de maconha. O placar foi atípico, seis ministros, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Edson Fachin, entenderam que o porte não é crime e que a lei atual o criminaliza. Luiz Fux e Dias Toffoli concordaram que o porte não é crime, mas que a lei atual é constitucional e poderia ser deixada como está. A tese vencida de que o porte seria sim crime foi defendida por Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça. No final ficou 6x2x3. E assim fez-se a descriminalização do porte da maconha no Brasil.

O julgamento vinha de um caso concreto, que chegou ao plenário da corte há nove anos. A ação foi apresentada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em defesa de um detento condenado por porte em 2010, após ter sido flagrado com apenas três gramas de maconha em sua cela. O STF, ao analisar o caso, julgou que ele seria de “repercussão geral”, o que quer dizer que o que fosse decidido nesse caso específico valeria como regra para os outros.

A Lei de Drogas, aprovada no Congresso em 2006, já estabelecia uma diferenciação entre quem porta drogas e quem as trafica. Mais especificamente, o artigo 28, que estava em discussão, dizia o seguinte: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas;II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.” O texto, contudo, não estipulava um critério objetivo para diferenciar usuários que portavam drogas de traficantes, e também não fazia nenhum tipo de diferenciação em relação os tipos de drogas ilícitas. E dizia ainda que o cultivo para uso pessoal seguia os mesmos critérios e que os juízes usariam parâmetros como o tipo de droga, a quantidade apreendida, o local, as “circunstâncias sociais e pessoais” e os antecedentes para definir o que seria “consumo pessoal”.

O que era para ser um avanço, na prática, se mostrou um desastre. Ao não trazer critérios objetivos, ficou nas mãos da polícia e, posteriormente, do Ministério Público, a diferenciação entre quem era usuário que portava a droga e quem era traficante. E sabemos que a polícia atua de forma diferente dependendo do território. Ou seja, se você fosse uma pessoa branca de classe média, seria provavelmente enquadrado como usuário, mesmo se tivesse de posse de uma grande quantidade de droga, ao passo que se você fosse negro ou periférico, seria apontado como traficante. Uma lei que deveria trazer uma proteção para quem usa drogas para uso pessoal se tornou um dos maiores contribuintes para o encarceramento em massa.

Isso não é retórica de quem quer a descriminalização da maconha. A pesquisa “Critérios Objetivos no Processamento Criminal por Tráfico de Drogas: natureza e quantidade de drogas apreendidas nos processos dos tribunais estaduais de justiça comum”, feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e publicada no ano passado, é muito clara em mostrar essa disparidade. Os pesquisadores analisaram 5.121 processos por tráfico de drogas em todos os tribunais do país no primeiro semestre de 2019, um recorte dos 41.100 processos no período, o que estatisticamente é uma amostra do cenário nacional.

A conclusão foi de que a maioria dos processos por tráfico de drogas acontece após apreensões de quantidades pequenas das substâncias. Em 58,7% dos casos por tráfico de maconha foram apreendidas menos de 150 gramas. Ao aplicar o limite de 40 gramas estabelecido agora pelo STF, a pesquisa identificou que 7,2% dos réus poderiam ser beneficiados pela presunção de inocência, como usuários. Ou seja, apenas nesse curto espaço de tempo, levando-se em conta o número total de processos no período, 2.952 pessoas poderiam se beneficiar da decisão dessa semana. Com a ressalva de que não dá para dizer que todas tenham sido condenadas. Ainda assim, são pessoas que não deveriam nem sequer passar pelo constrangimento de um processo penal.

Com base nessa pesquisa, o Ipea dedicou capítulo inteiro do Atlas da Violência 2024, lançado na semana passada, analisando dados sobre drogas ilícitas, prisões e violência. As pessoas criminalizadas como traficantes são, essencialmente, homens (86%), jovens (72% têm até 30 anos), de baixa escolaridade (67% não concluíram o ciclo básico) e negros (68%). Jovens e negros somam 53,9% dos réus processados. Com esses dados, não é preciso nem desenhar que o alvo principal do atual sistema de Justiça é a juventude negra periférica.

Vitória de Pirro?

Olhando para a cobertura da imprensa internacional, a decisão do STF é uma baita vitória ao garantir o entendimento de que o porte de maconha não é crime porque o consumo pessoal de maconha é questão da vida privada e de saúde pública. O New York Times, por exemplo,  estampou a manchete “Brasil é a maior nação a descriminalizar a maconha”.

Meu entendimento é um pouco menos celebratório. Sim, a decisão do STF constitui um avanço. Sem dúvida pode beneficiar um número expressivo de pessoas. Pode, inclusive, ter um efeito positivo sobre o encarceramento de jovens negros. Pode. Mas não garante.

Aqui vale deixar mais claro o lugar de onde elaboro a minha opinião. Em 2015, quando esse julgamento começou, eu era o diretor de comunicação da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), uma rede de mais de 50 organizações que atuavam no campo das drogas em diferentes perspectivas. Havia as que vinham da saúde pública, as que atuavam na frente do acesso à Justiça e direitos humanos, coletivos que estavam no campo, lidando com dependentes, entidades de pesquisa. A missão da PBPD era discutir a questão da proibição das drogas a partir de um viés científico, baseado em evidências, estimulando a pesquisa. Até hoje ela atua em três frentes: a da produção científica, a da comunicação e do corpo a corpo político. Recomendo muito a leitura da ótima revista Platô, que está disponível online.

Eu não vinha de nenhuma dessas organizações. Era um comunicador independente que havia abraçado a causa antiproibicionista por algumas razões. A primeira certamente diz respeito ao custo, em vidas e em dinheiro, da manutenção da guerra às drogas. A proibição dá força e lucro a facções criminosas, às milícias, tira a vida de jovens e oferece soluções pouco razoáveis às pessoas que têm uma relação problemática com o uso de drogas. A proibição também impede a pesquisa, a produção séria de conhecimento, fundamental inclusive para dar mais balizas aos tratamentos medicinais, cuja eficácia em casos como epilepsia, por exemplo, já está mais do que comprovada. O terceiro motivo diz respeito à minha orientação política. Minha perspectiva é de um liberal progressista, que entende que o Estado não deve legislar sobre as escolhas pessoais se essas escolhas não tiverem um impacto sobre a sociedade. Ou seja, defendo o direito de uma pessoa fumar um baseado em casa, assim como defendo a regulamentação do Estado sobre fumar em locais públicos ou a sanção a quem fuma e sai dirigindo um carro, por exemplo. Por último, e não menos importante, porque desprezo a hipocrisia e sempre gostei de fumar maconha nos meus momentos de lazer, ainda que a ideia de financiar o tráfico de drogas e todo o ciclo de violência que ele enseja tenha me causado, ao longo da vida, um profundo desconforto.

Eu já não atuo na PBPD desde que relancei a revista Bravo!, em 2016, e passei a me dedicar em tempo integral à valorização da cultura contemporânea, outra causa impopular, ainda mais em tempos de ascensão da extrema direita neste país. Mesmo assim, nunca deixei de lado a perspectiva antiproibicionista. E, justamente por entender a questão das drogas de diferentes ângulos, é que não vejo a descriminalização feita agora, nesses moldes e a este tempo, como um grande avanço.

Com a Lei de Drogas de 2006, em teoria, você já não tinha mais pena de prisão para usuários que portassem a droga, mas havia penas alternativas, como serviços à comunidade e tratamento compulsório. Com a descriminalização agora, supondo que seja mantido esse montante de 40g de maconha ou seis pés de planta fêmea — para quem não sabe, a cannabis pode ser fêmea, macho ou hermafrodita, e apenas as fêmeas produzem as flores que concentram os canabinoides —, há apenas sanções administrativas. Ainda assim quem for pego com plantas ou camarões terá de ser encaminhado à delegacia, e a droga, destruída.

O que o STF deixou claro com sua decisão é o entendimento de que o consumo pessoal de maconha é questão da vida privada e de saúde pública. Um avanço. Ainda assim o consumo segue ilegal por que vai de encontro à legislação atual em que a maconha é considerada uma droga ilícita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Uma barreira.

E não dá para desconsiderar o contexto político dessa decisão. Nos nove anos em que essa ação demorou para ser julgada pelo Supremo, o Brasil mudou muito. Não necessariamente para melhor. Quem atuava no front parlamentar defendendo a regulação das drogas nunca acreditou que a descriminalização aconteceria pela via política. A aposta sempre havia sido no Judiciário, justamente porque são os juízes que têm o poder de tomar decisões contramajoritárias, sem se preocupar com eleições. E o campo proibicionista sempre foi organizado e bem financiado. Se já não era fácil debater esse tema no Congresso em 2015, hoje, depois de quatro anos de Bolsonaro no poder e com o crescimento da representação de extrema direita, esse debate está praticamente interditado. A prova disso foi a movimentação, até certo ponto surpreendente, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de propor uma emenda à Constituição, a PEC 45, que afronta o entendimento do Supremo e determina fazer a Lei de Drogas retroagir a antes de 2006, ao voltar a considerar crime o porte de qualquer droga.

É possível argumentar que, ao compor a decisão final, o STF tenha sido mais tímido como um aceno político ao Congresso, para evitar a percepção de que estaria legislando. Não estou sozinho nesta percepção. Na Folha, Helio Schwartsman chamou a decisão de caquética e defendeu que a tese constitucional enfraqueceu diante da tentativa de apaziguar os ânimos com os parlamentares. E aqui no Meio, o advogado Cristiano Maronna, da Plataforma Justa, apontou essa questão de uma guinada do país à direita e lamentou que o julgamento tenha começado com um voto de Gilmar Mendes favorável à tese de que o porte de qualquer droga ilícita não poderia configurar crime e tenha terminado restrito à maconha.

No contexto da guerra às drogas e da proteção do usuário, se a decisão fosse para todas as drogas ilícitas, ela seria mais eficiente. Não dá para desconsiderar o fato de que o uso problemático da maconha existe, mas é infinitamente inferior ao de um usuário de crack, por exemplo, que são parte de um grupo mais vulnerável, mais necessitado da rede de proteção do Estado. Em vez disso, seguimos na rotina da repressão violenta, enxugando gelo.

Outro ponto que está nesta reportagem do Meio, levantado pela professora de direito penal Luciana Boiteux, é o fato de a decisão ainda dar à polícia um poder subjetivo na hora da abordagem. Como observar se há uma balança de precisão no local, uma caderneta de nomes. Sem contar a apreensão da droga, e o fato de o portador da droga ser levado à delegacia. E não faltam pesquisas para demonstrar como a polícia trata um jovem de classe média branco e um jovem negro periférico. Em 2022, a pesquisa Por que eu?, feita pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa com o data_labe, em São Paulo e no Rio de Janeiro, mostra que pessoas negras têm quatro vezes mais chances de sofrerem abordagem policial. E uma pesquisa lançada no último dia 21 pelo Centro de Estudos Raciais do Insper mostrou que ao menos 31 mil pessoas pretas e pardas foram enquadradas como traficantes em situações similares a de brancos tratados só como usuários.

E agora?

Dois cenários diferentes se desenham a partir dessa decisão do STF. Um é para gente “de bem”, branca, com conta no banco, que pode degustar as melhores flores pagando em média R$ 100/grama, frequentar jantares canábicos, consumir óleos, e uma miríade de produtos comestíveis. Outra é pra quem está na pista, fumando seu prensadão de R$ 5/grama, vindo diretamente da fábrica de matar sonhos que é a maconha em forma de tijolo cheia de impurezas e amônia, trazida pelas facções para o Brasil desde o Paraguai.

Não é raro ouvir que, para as classes altas, a maconha já foi legalizada no Brasil faz tempo. Não deixa de ser verdade, se você for à praia na zona Sul do Rio ou a um parque privatizado de São Paulo, dificilmente será abordado pela polícia se tiver fumando um baseado. Mesmo que seja, o mais provável é que tome um esculacho e talvez perca o cigarro. Posso falar disso por experiência própria. Nos anos 1990 estava com um casal de amigos em um carro perto do Minhocão em São Paulo. Éramos dois brancos e uma oriental. Sem querer, minha amiga acendeu o baseado bem na frente de uma viatura. O policial flagrou tudo, deu um tempo, ligou a sirene, e mandou a gente sair do carro. Tudo com tempo suficiente para que eu engolisse o flagrante (o que não é nada gostoso). Eles mandaram a gente levantar as mãos, mas nem saíram armados. Perguntaram onde estava a droga. Meu amigo, que cursava direito, falou que não tínhamos nada, que éramos estudantes e estávamos indo para a São Francisco. Ali acabou o flagrante, com um simpático, “lembre da gente quando for autoridade”.

A realidade é que para quem é considerado usuário à primeira vista, basicamente os ricos, é possível pensar em comemorar a descriminalização. É possível considerar a possibilidade de cultivar plantas em casa dentro do limite estipulado pelo STF, sem medo das consequências. Há um vislumbre de solução para romper com o ciclo de violência do tráfico. Também é possível andar na rua com uma pequena quantidade, sem tanto medo de cair em uma trama kafkiana com a Justiça brasileira.

Só que essa é a realidade de uma parcela muito pequena da população. Uma parcela, inclusive, que já está mobilizada há anos, que é cadastrada na Anvisa para poder consumir produtos à base de cannabis ou a planta in natura, que tem acesso a advogados, que já impetrou habeas corpus para produzir remédios e fazer o uso medicinal, importando ou consumindo de uma das associações autorizadas a fornecê-los. Pode até estar traçando estratégias para criar clubes canábicos, para plantar em comunidade uma variedade maior de cepas, e criar produtos variados.

Agora, se você está entre a população que é alvo da polícia, a história é outra. Embora o Conselho Nacional de Justiça já tenha anunciado que irá fazer mutirões para desencarcerar usuários que tenham sido presos por tráfico — um número que pode variar de 8.200 a 19.600, quando cruzamos dos dados do Atlas da Violência com o último censo carcerário —, a vida não deve mudar radicalmente.

Enquanto a polícia ainda puder dizer quem é traficante e quem é usuário, vale o conselho de Bezerra da Silva: “Se segura, malandro”. Mais uma das injustiças deste país tão desigual.

Fórum privilegiado

Sinônimo de “algo extraordinário” ou de “um ótimo exemplo”, a palavra lolapalooza existe na língua inglesa desde os anos 1890 — e não foi criada para batizar o festival de Perry Farrell, como se poderia supor. Aos poucos, foi virando sufixo de qualquer evento grandioso, e adaptável aos protagonistas da festividade. Pois essa semana foi de “Gilmarpalozza” em Portugal. É referência ao ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal. Foi a 12ª edição do Fórum Jurídico de Lisboa, encontro de juristas, autoridades e empresários brasileiros com algumas personalidades portuguesas para uma série de discussões. O palavroso tema desse ano foi “Avanços e recuos da globalização e as novas fronteiras: transformações jurídicas, políticas, econômicas, socioambientais e digitais”. Reuniu cinco colegas de STF; 12 ministros do Superior Tribunal de Justiça; cinco ministros do governo Lula; o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira; quatro governadores; e cinco senadores. Algo realmente extraordinário.

Também compareceram representantes de 12 empresas com processos no Supremo. Mas elas alegam que não há qualquer conflito de interesse, porque bancaram as próprias despesas e os palestrantes que enviaram não receberiam cachê. Ah, bom, então tudo bem. Já Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal, viajou a convite da Fundação Getulio Vargas (FGV). A fundação foi em 2022 alvo de operação da própria PF, que, junto do Ministério Público Federal, aponta indícios de malversação de recursos, descontrole contábil, corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. O festival é organizado pelo IDP, instituição de ensino fundada por Gilmar; pela FGV e pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Gilmar declarou, depois da cerimônia de abertura, em que dividiu o palco com Lira, que há “uma certa incompreensão” sobre seu fórum. "O evento de Lisboa se consolidou”, ele defende. Com a placidez dos imensamente poderosos, daqueles cujo magnetismo é incontornável, acrescentou: “As pessoas vêm”.

Consolidou-se, sem dúvida. Mas não como um grande centro de produção acadêmica ou de conhecimento jurídico. E, sim, como um verdadeiro Woodstock do lobby, para recorrer a outro festival. Os auditórios até lotam. As mesas de debate contam com cinco ou seis palestrantes, o que restringe bastante seu tempo de explanação. “Atravessamos o oceano para falar dez minutos”, reclamou Dias Toffoli. Os oradores nem sempre são profundos conhecedores do assunto do painel, mas frequentemente têm algum comentário político engatilhado para expor. Há uma intensa agenda paralela ao palco central. Festas promovidas por empresários, como a de Flávio Rocha, da Riachuelo, vão pipocando pela capital portuguesa. Toquinho se apresentaria num restaurante, num show promovido por um escritório de advocacia. O BTG e a XP também fariam seus convescotes. Tem elite para todo gosto no GilmarFest.

Um levantamento apontou que foram 160 as autoridades e funcionários do Judiciário, de governos estaduais e do federal e de outros órgãos públicos autorizados a ir a Lisboa. E que foram gastos ao menos R$ 1,34 milhão para levar 78 dessas pessoas a Portugal. O valor tende a aumentar quando todos os gastos forem computados. "Eu não sei avaliar se isso é muito ou pouco", declarou o dono da festa em seu discurso de encerramento. O fórum não custeia passagens nem hospedagem dos participantes, segundo o IDP. A FGV pagou parte dos custos de viagem do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo. Os outros cinco ministros não informaram quem bancou o investimento para o Gilmarpalooza. A Câmara dos Deputados mandou 21 parlamentares — foram 25 pessoas no total. Os candidatos à sucessão de Lira, nem todos palestrantes, foram lá fazer exposição da figura.

E você, vai passar seu aniversário onde? Arthur Lira e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, escolheram a atmosfera lisboeta. Campos Neto teve como testemunha de seus 55 anos um auditório metade vazio. Ou metade cheio, depende do sabor do mercado. Já Lira celebrou seus (coincidentes) 55 anos no coquetel oferecido por Flávio Rocha em nome do Esfera, aquele grupo de lobby empresarial de João Camargo, e de lá partiu com um séquito de deputados para jantar em um restaurante especializado em cozinha alentejana. À mesa, estavam Elmar Nascimento (União Brasil-BA), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Luizinho (PP-RJ) e Hugo Motta (Republicanos-PB), todos cotados a ocupar sua cadeira a partir de fevereiro do ano que vem. Dani Cunha (União-RJ), filha de Eduardo Cunha, também estava ali. Rolou ainda um “after” para alguns.

No ano passado, também no dia de seu aniversário, Lira estava lá, na 11ª edição do fórum. A surpresa veio da revista piauí e da Folha publicando que a Polícia Federal havia encontrado, no carro do motorista de seu ex-assessor Luciano Cavalcante, anotações de pagamentos de quase R$ 500 mil para um “Arthur”. No dia 6 de julho, o decano suspendeu a investigação. Pouco mais de um mês e Gilmar anulou as provas. Quando deu 21 de setembro, arquivou de vez o inquérito. Tudo para assegurar “a necessária observância das regras de prerrogativa de foro”. Lisboa é mesmo uma festa.

O nada discreto charme de Artacho Jurado

Fica em cartaz até 15 setembro no Itaú Cultural a Ocupação Artacho Jurado, homenagem ao controverso construtor que fez alguns dos edifícios mais icônicos de São Paulo. A história desse filho de espanhóis é a de um autodidata que acabou se tornando um dos construtores de maior sucesso no primeiro boom da verticalização paulistana. Kitch, exagerado, pronto para fazer o que os clientes queriam, Artacho não só tinha um olho para o que vende, como também um estilo único, que deixava os arquitetos mais sisudos da época de nariz torcido. Até porque sabia agradar como ninguém as elites que estavam migrando dos casarões para os apartamentos.

A mostra na avenida Paulista se propõe a trazer um percurso pela vida e pela obra de um artista que produziu aquilo que acreditou ser sua verdade estética e construtiva. Faz isso por meio de fotografias, documentos, desenhos, maquetes e vídeos. Como toda ocupação do ItaúCultural, existe uma aura de hagiografia. A arquiteta Adriane de Luca, professora do Senac, visitou a exposição e saiu de lá menos impactada pela mostra do que por suas ausências. ”Existe um predomínio em mostrar o caráter mais ornamental das suas obras, mas senti falta de poder ver mais plantas, de ter um olhar mais arquitetônico ", diz, avaliando que uma das principais características que admira na obra de Artacho, a volumetria dos seus edifícios, e a forma como eles dialogam com a cidade, estavam pouco exploradas.

Embora os prédios construídos por Artacho Jurado hoje sejam bastante disputados, nem sempre foi assim, como diz Ruy Eduardo Debs Franco,  autor do livro Artacho Jurado: Arquitetura Proibida, escrito a partir de sua tese de mestrado sobre o conjunto da obra de Artacho.

“Mais do que um arquiteto, Artacho era um empreendedor. Ele sabia fazer dinheiro e do que as pessoas gostam. Ele estudou só até o primário, era quase analfabeto, mas mesmo assim, criou um obra distinta. Os arquitetos modernistas da época menosprezavam suas construções, mas ele foi fazendo sucesso e fazendo sobretudo estardalhaço. Aquilo incomodou um monte. Ele era muito espalhafatoso, e havia uma patrulha ideológica”, diz o pesquisador.

Debs lembra que Artacho começa fazendo pavilhões de exposições em São Paulo, Santos e Campinas, até começar a construir os primeiros empreendimentos, casinhas na Vila Romana, depois fará as casas de Cidade Monções nesse momento juntamente com o irmão Aurelio, que seria seu sócio toda vida. Das casinhas ele passa a construir prédios, como o Edifício Pacaembu, o Duque de Caxias e o General Jardim. “Era uma época em que os casarões de Higienópolis estavam virando cortiços, então ele comprava os terrenos bem barato e construía seus edifícios.” São dessa época alguns de seus prédios mais famosos, como o Piauí, Cinderela, o Parque das Hortênsias e o Bretagne, assim como dois no centro, Viadutos e Planalto, e um na Paulista, o Saint-Honoré. Depois desse boom, do fim dos anos 1950, Debs lembra que a Construtora Monções começa a ter problemas financeiros.  Antes disso, Jurado desce a serra e vai para a cidade balneária de Santos, aproveitar a onda de construções que invadiam a cidade. Ali projeta e constrói entre 1951 e 1958, dois grandes condomínios em frente ao mar; Edifício Parque Verde Mar no boqueirão e na ponta da praia, o Enseada, sendo que o primeiro se tornaria um ícone na orla da praia.

"Artacho era um gênio do marketing. Ele tinha uma conexão com a arquitetura de Miami, mas também com Hollywood. Para um de seus lançamentos ele traz o um dos maiores cowboys do cinema, Roy Rogers." Se suas obras fizeram um sucesso inicial, houve um tempo em que elas ficaram um pouco por baixo, tudo era muito kitch, as plantas não eram necessariamente incríveis. A partir dos anos 2000, seus prédios voltam a atrair interesse. Não à toa, a revista Wallpaper considerou o Bretagne um dos 10 edifícios mais bonitos do mundo para morar.

Mas o que atrai na obra de Artacho Jurado? O Meio conversou com moradores de seus prédios para entender por dentro seu charme. A arquiteta Anna Juni, sócia do escritório Vão, tem uma dupla vivência com o Parque das Hortênsias, que fica na avenida Angélica. Ela nasceu no prédio e, depois de morar fora de São Paulo, voltou a ter um apartamento por lá. "Minhas primeiras memórias de vida estão lá nesse edifício. Meus pais mudaram pra lá na década de 1970, quando ainda eram namorados, na faculdade, acabaram ficando por lá e aí eu nasci. Para ela, o que a fez voltar para o prédio foi a praça. "Aquele espaço do térreo é tão generoso e incrível. Fico às vezes vendo as crianças brincarem lá embaixo. Me remete a umas memórias de infância, porque vivi ali naquela praça“, diz a arquiteta, que gosta também do estilo irreverente das criações de Artacho. ”Eu descubro coisas novas nesse edifício até hoje, acho muito impressionante, sabe? Tem uma qualidade espacial, assim, muito incrível e uma radicalidade, né?"

A área de convívio foi o que também atraiu o o arquiteto Vinicius Andrade, sócio do Andrade e Morettin, que fez o projeto do IMS na Paulista. "Eu tenho quatro filhos, e a região aqui tem prédios super urbanos, maravilhosos, mas sem espaço para brincar. A maioria dos prédios do Artacho tem essa qualidade, né? Onde o térreo é um espaço de convívio generoso, acolhedor e tal. Então, pra mim, isso pesou bastante na escolha.“O arquiteto conta que uma das coisas que chamam a atenção nos projetos de Artacho é um certo improviso. ”A estrutura é bem mais estilo livre. Quando você vai reformar, vai quebrar uma parede e encontrar um pilar desalinhado do outro, um pilar laminar comprido que não permite que você junte dois ambientes. Ele peca um pouco na eficiência da planta.“ Ruy Debs defende que esse estilo livre de Artacho se deve também ao fato de ele antes de tudo fazer as coisas ao gosto do freguês. ”Se pedissem para tirar uma coluna, ele tirava. O calculista dele ficava louco, e compensavam com lajes de três metros", ri.

O arquiteto Angelo Bucci, da spbr, morou no Louvre, na avenida São Luís, quando jovem. “Morar no Louvre me agradava muito, a cidade dentro do prédio, mais isso do que a arquitetura propriamente dita. Naquela época, final dos anos 1980, o edifício não tinha grades, tinha escada rolante para a sobreloja aberta na boca da calçada,  a livraria italiana e a Air France na galeria, a rua continuava ali pra dentro. Morávamos num apartamento pequeno, voltado para o fundo, da janela se via a fachada sul do Copan sem brises.” É interessante que essa vista do Copan pelo Louvre acabou virando capa de disco de um de seus moradores. Zopelar, metade do duo eletrônico My Grilfriend, que compôs todo o disco com seu parceiro Benjamin Sallum, que morava no Copan. Na hora de escolher a capa do disco, a escolha natural foi uma foto da fachada do prédio de Oscar Niemeyer visto do Louvre.

Mas quem tem as melhores histórias de um morador de um Artacho Jurado é a estilista Caroline Baum. Ela consegue seu primeiro apartamento no Bretagne, onde morou 11 anos, por sorte. Só moradores poderiam indicar outros moradores para o prédio. "Consegui que uma tia de uma amiga de trabalho me indicasse e fui ver e o apartamento tinha o taco de estrela, um banheiro rosa, com verde piscina. Original. A cozinha toda de pastilha colorida. Falei, meu Deus, é aqui! E aí, eu fui parar lá. Foi uma coisa, um caso de amor.“Ela não mora mais lá, mas ama o prédio. ”Quando lancei a minha marca, Baum & Haut, fiz uma festa lá. Foi lotada, acho que as pessoas foram só pra conhecer o Bretagne."

O melhor caso de amor viria depois. Morando lá ela conheceu seu futuro namorado. O jornalista Lucio Ribeiro, que também morava no prédio. “Ele ligou pra minha casa pelo interfone e a gente se encontrou no bar do prédio. A gente começou a namorar e acabou que a gente se mudou para um outro apartamento juntos.” Só que seu maior amor, na verdade, era uma camélia. “Ela ficava em casa, linda. Quando fui morar com o Lúcio, ela quase morreu. Então, a levei para a cobertura. Todo mundo que trabalha lá é impecável, mas o jardineiro é maravilhoso e cuidou dela. Lá ela ficou e cresceu, virou uma árvore,  linda.” Só que Carol precisou se mudar, a vida iria pra outros caminhos, e, ao tentar resgatar a camélia, o vaso quebrou. Carol foi e a camélia ficou.

Ah, sim, ainda teve uma tentativa de golpe na Bolívia e um debate presidencial antecipado nos EUA. Olha aqui os mais clicados pelos leitores:

1. g1: Assista ao tanque tentando derrubar a porta do palácio presidencial em La Paz.

2. El País: As fotos da tentativa de golpe de Zuñiga.

3. g1: Quais os efeitos da decisão do STF sobre a maconha?

4. Panelinha: Omelete de forno com mandioquinha e cebola.

5. Meio: Estava todo mundo ansioso pelo Reage! do Pedro Doria ao debate entre Biden e Trump.

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