Meio Político

‘A democracia é um regime de prontidão’

A ideia de um gigante poderoso deitado em berço esplêndido para representar o Brasil é evocada sempre que interessa a um determinado grupo chamar para si a responsabilidade de acordá-lo. “O gigante acordou” pode dar arrepios ou nostalgia, a depender dos olhos de quem lê. As manifestações de junho de 2013 e a forma como elas foram se transformando ao longo dos anos seguintes confundiram o senso do que é uma mobilização ampla e democrática. A história, porém, encontra meios de reencenar esses momentos de uníssono. De um som alto o suficiente não para acordar o tal gigante, que sequer tem conseguido dormir com seu estômago vazio. Mas para assustar e afastar aqueles que querem terminar por sufocá-lo.

As urnas como obstáculo ao golpe

Ao ter a candidatura à reeleição oficializada no último domingo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) enfatizou seus ataques à Justiça – à Eleitoral em particular – e convocou seus apoiadores a tomarem as ruas no Sete de Setembro. Quer repetir, anabolizada, a jornada golpista do Dia da Independência do ano passado, quando a polícia do Distrito Federal impediu sete tentativas de invasão ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF). Dias antes, num movimento que provocou espanto entre diplomatas, convocou dezenas de embaixadores estrangeiros para fazer ataques infundados às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral brasileiro. Nos bastidores, até aliados do presidente viram o gesto como um “discurso de derrota” que não faz efeito além da bolha de seus apoiadores fiéis.

A “teoria constitucional” do bolsonarismo

Como qualquer constitucionalismo autoritário, o constitucionalismo bolsonarista não se orienta pela doutrina do Estado de Direito, que é pautado por princípios como o da legalidade, irretroatividade da lei, publicidade e moralidade administrativa, e caracterizado por uma arquitetura institucional voltada para a contenção do arbítrio governativo, cujos pilares são a separação de poderes, os freios e contrapesos, o federalismo e o controle de constitucionalidade pelo Judiciário. Ao contrário. Herdeiro do absolutismo, o constitucionalismo autoritário se orienta pela velha doutrina da Razão de Estado, que preconiza a possibilidade de desrespeito à lei pelo governante sempre que ameaçado o valor supremo da “segurança nacional”. Naturalmente, é o próprio governante que aí ajuíza do grau de periculosidade da referida ameaça, tendendo invariavelmente a confundir a segurança da nação com a sua própria. Daí a busca incessante por juristas desfrutáveis, capazes de engendrar fórmulas jurídicas que lhes permitam escapar ao império da lei mediante interpretações capciosas e leis de exceção.

É a emoção, estúpido!

É emoção. Nas redes sociais, o que pauta é a reação emocional. No mês de junho, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DAPP) mapeou, como de praxe, as interações dos presidenciáveis nas redes. E confirmou o que o sociólogo Marco Aurélio Ruediger, diretor do centro de pesquisa, conclui de cátedra: o teor emotivo das mensagens dos líderes nas pesquisas nas redes sociais é o centro da estratégia no ambiente virtual. A direita sacou isso bem antes. Construiu sua base inflamada calcada nisso. “Ela entendeu que as redes são assim, emocionais, e portanto todo o discurso era baseado não em grandes análises conjunturais, factuais, comparativas. A estratégia é de simplificar o discurso”, diz Ruediger. A esquerda, agora, corre atrás.

Os Tenentes de 1922, o Centrão de 2022

Há quem conte História como uma força movida pelo ímpeto de grandes líderes, aquelas personagens quase sobre-humanas pelo carisma, pela habilidade, pelo senso de tempo. Mas há outra forma de interpretar — a história das tecnologias, da economia, daquilo que de alguma forma afeta e move a sociedade. Hoje, dia 6 de julho, 2022, faz exatos cem anos que quatro tenentes lideraram um grupo de soldados em marcha pela Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, em missão suicida para derrubar a Primeira República. Os Dezoito do Forte. Pois compreender o Tenentismo pelo ângulo da sociedade ajuda, muito, a compreender também o momento atual da política brasileira.

Bendito seja o fruto

“Existe mais de um tipo de liberdade, dizia Tia Lydia. Liberdade para, a faculdade de fazer ou não fazer qualquer coisa, e liberdade de, que significa estar livre de alguma coisa. Nos tempos da anarquia, era liberdade para. Agora a vocês está sendo concedida a liberdade de. Não a subestimem.”
O Conto da Aia, Margaret Atwood

A “teoria democrática” do bolsonarismo

No dia 31 de maio deste ano, em discurso em Jataí (GO), o presidente Jair Bolsonaro reafirmou que os “cidadãos de bem” precisavam se armar para “defender a pátria”. Uma tentativa de fraudar as eleições de 2022 viria sendo armada pelo Poder Judiciário, justificando a fiscalização do processo eleitoral pelas Forças Armadas. Em um aparente paradoxo, o ataque do presidente às instituições foi apresentado como se se tratasse de uma defesa da democracia. “Somos um povo livre e tudo faremos para que o povo continue livre, apesar da tentativa de alguns para mudar nosso regime. Nosso regime é o democrático”, declarou o presidente.

Meio Político: Verde-desesperança

Carlos Nobre é uma vastidão de cientista. Seus muitos títulos, que vão de engenheiro eletrônico a climatologista, culminam na eleição recente como membro estrangeiro da Royal Society, mais antiga academia de ciência em atividade no mundo. Só um outro brasileiro havia sido aceito na entidade antes dele: Dom Pedro II. Carlos Nobre não é um cientista político. Mas conhece política ambiental e científica como poucos. Em parte, pelos cargos que ocupou. Entre 2011 e 2014, foi secretário nacional de Políticas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do Ministério da Ciência e Tecnologia; e, entre 2015 e 2016, presidente da Agência Federal de Pós-Graduação (Capes) do Brasil. Mas também pelo objeto de pesquisa de sua carreira de mais de 40 anos: as potencialidades da Amazônia. Nobre assiste, desolado, ao desmonte atual das espinhas de política pública para a região. “Nós regredimos basicamente 50 anos”, lamenta.

Falta um partido popular de direita

É cedo para afirmar que Jair Bolsonaro deixará a presidência da República quando o ano virar para 2023 — as urnas só fecham no segundo turno em 30 de outubro — mas este é o cenário mais provável. O bolsonarismo, porém, não vai acabar. Tanto Ipec quanto Datafolha identificaram que uns 30% dos brasileiros abraçam valores claramente de direita. São ultraconservadores quando definem casamento, radicalmente contra o aborto, favoráveis à facilitação do acesso a armas, veem com simpatia o encontro entre religião e política. É uma peculiaridade desta nossa Terceira República, inaugurada pela Constituição de 1988, que jamais tenhamos tido um partido forte de direita. Mas isso não quer dizer que o eleitorado não exista. Nos últimos anos, justamente porque não havia um partido assim, estes brasileiros se congregaram no entorno de um líder populista e carismático. O que acontecerá quando Bolsonaro deixar o poder com estes seus eleitores?

Populismo a diesel

Por Luciana Taddeo