Meio Político

O primado do Legislativo

Faltando menos de três semanas para o segundo turno, impossível não imaginar cenários para o desfecho eleitoral. Os índices de intenção de votos em Lula, como vem acontecendo há uma ano, oscilam em torno de 50% dos votos válidos. Bolsonaro vem atrás, a uma distância entre 5 e 10 pontos. Salvo a ocorrência de um fator radicalmente novo, as urnas sacramentarão a vitória de Lula no fim deste mês de outubro. Mas, tratando-se de Bolsonaro e sua entourage, nunca se sabe.

O mosaico bolsonarista

Existe uma parcela significativa de brasileiros que simplesmente pensa como Jair Bolsonaro. É um fato. E ele foi reiterado novamente nas urnas no dia 2 de outubro. Agora, em torno do presidente estão agregados grupos de “pragmáticos” cujo pensamento sobre o conjunto de valores que o bolsonarismo representa não está claro. Bolsonaro montou esse mosaico mecanicamente e o manteve colado numa estratégia de atender suas demandas prontamente, sem qualquer respeito pelas regras do jogo democrático. Mas o que leva cada eleitor desses a, mais do que tolerar, endossar um comportamento autoritário, reacionário, proto-fascista? “Achamos que em algum momento essa forma de fazer política de baixa qualidade, sob demanda, ia dar errado e que seria antes do período eleitoral, porque nenhuma sociedade se sustenta tanto tempo assim. Os grupos vão brigar entre si, a crise econômica chega. Mas aqui entra a parte que não sabemos explicar dessa adesão a Bolsonaro ainda. E talvez aqui entre o antipetismo”, explica Carolina Botelho, cientista política do Instituto de Estudos Avançados da USP e associada do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública (DOXA), da UERJ.

Os prismas femininos

A história é caprichosa. Enredou a política brasileira, num espaço de 90 anos, com destinos surpreendentemente conexos. Em 1932, a bióloga Bertha Lutz, filha do “pai da medicina tropical”, Adolfo Lutz, e da enfermeira Amy Fowler, foi uma das principais responsáveis pela inclusão do direito das mulheres de votar e serem votadas no novo Código Eleitoral getulista. Dez anos antes, ao conhecer as sufragistas europeias, Bertha iniciou, no Brasil, um forte movimento para que mulheres tivessem direitos políticos. Bertha era cientista, filha de médico com enfermeira. Era feminista. Nove décadas depois, o governo mais abertamente anticientífico e misógino que o país já teve depende delas. Depende dos votos das mulheres, as mais sensíveis aos efeitos nefastos da pandemia de Covid-19, para sobreviver — ou ganhar uma sobrevida.

Como Bolsonaro pode destruir a democracia

O primeiro exemplo de ruínas no livro Como as Democracias Morrem, dos cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Zimblatt, é o da Venezuela. Como nosso problema aqui no Brasil é com um populista autoritário à direita do espectro e, na Europa ou nos EUA, a ameaça à democracia também vem da direita, com frequência esquecemos de Hugo Chávez. Chávez, porém, é talvez o melhor exemplo para ilustrar como o presidente Jair Bolsonaro poderia ameaçar o regime aqui no Brasil. Estamos a menos de duas semanas do primeiro turno de uma eleição que pode ser decidida antes do segundo e tudo indica que o presidente não vai se reeleger. Ainda assim, persiste para muitos a dúvida: ele seria mesmo uma ameaça à democracia caso chegasse ao segundo mandato? Um passeio pelos exemplos de Venezuela e Hungria ajudam a iluminar.

A arruaça como meio de barganha pós-eleitoral

Jair Bolsonaro é um homem que sempre fez da espetacularização do ódio à democracia o “business” que lhe permitiu enriquecer a si e sua família. Ao longo de sua carreira, o atual presidente desenvolveu diversas técnicas para assegurar impunidade por seus crimes contra a democracia: transformar a imunidade parlamentar em meio de garantir sua “liberdade de expressão”; fazer amigos nos sistemas de segurança pública e privada, incluindo do submundo da máfia; obter a simpatia das classes armadas, na qualidade de despachante de seus interesses corporativos; intimidar publicamente seus críticos, incentivando o exercício da violência para contestar o sistema legal.

Brasil, 200 anos de Casa Grande

“Como você quer ser apresentado? Com quais credenciais?”, o Meio perguntou a Sérgio Abranches ao final da entrevista. Absolutamente coerente com a tese que está desenvolvendo para seu novo livro, ele respondeu: “Não gosto de credencial, a sociedade da credencial nos atrapalha”. Abranches, a contragosto, se define. “Sou escritor.”

Um governo sem corrupção

Para o brasileiro que ainda vê com incredulidade um homem como Jair Bolsonaro na presidência, parte desta campanha eleitoral transcorre numa zona de incompreensível dissonância cognitiva. No primeiro debate entre os candidatos ao Planalto, no domingo, Bolsonaro chamou seu principal adversário de ex-presidiário. Deixou Luiz Inácio Lula da Silva na defensiva ao apontar a corrupção em seu governo. E Lula se encolheu na defensiva. Enquanto isso, nas manchetes do início desta semana, estava lá a constatação de que a família Bolsonaro adquiriu metade de seus 107 imóveis pagando ao menos parcialmente com dinheiro vivo. No contrapasso, a Polícia Federal descobriu um agente da Agência Brasileira de Inteligência interferindo em um inquérito que envolvia Jair Renan Bolsonaro, o filho Zero Quatro. Nem Lula nega mais que houve corrupção de grande porte em seus governos. Mas como pode Bolsonaro, a esta altura, não ser visto também como corrupto? A pergunta não é um detalhe. Ela é a chave para compreender como se comportam os eleitores do presidente.

Afetos republicanos

Heloisa Starling faz história como quem faz poesia. É difícil antever que uma entrevista sobre república e democracia vá tratar de amizade. De compaixão. Solidariedade. Mas é nesses afetos que Heloisa, essa “professorinha da província”, como ela se define, desemboca. No caminho, vai desenhando ideias belas — bebendo na fonte de Hannah Arendt, mas abrasileirando com Lupicínio Rodrigues — como a de que pensamento é vento que bagunça as coisas para que, em seu lugar, construa-se a liberdade.

A estratégia de comunicação do bolsonarismo

Todas as expressões ideológicas do reacionarismo populista se manifestam em uma estratégia fundamental, que perpassa todas as práticas do governo Bolsonaro: o negacionismo estrutural. Fala-se muito em negacionismo a respeito da condução da política sanitária pelo governo federal, mas o fenômeno não se limita a esse ramo da administração. Entendido como técnica de governo destinada a produzir uma realidade fictícia, o negacionismo do governo Bolsonaro é mais amplo, ou seja, estrutural. Esse negacionismo pretende criar uma realidade paralela onde vige um sistema diferente de causalidades e responsabilidades daquele do mundo real. Do ponto de vista ideológico, a origem desse negacionismo é tipicamente reacionária porque, almejando recuar para um tempo já desaparecido, começa por ter de negar postulados básicos da racionalidade moderna na descrição do funcionamento do mundo. Para se infiltrar na sociedade, esse discurso precisa atacar a imprensa, a ciência e a academia, que são as instâncias responsáveis pela geração de consensos sociais sobre o que seja a verdade no mundo moderno.

Meio Político: Nascimento, ascensão e domínio do Centrão

O próximo presidente da República terá, logo no primeiro mês de mandato, um desafio: é a eleição para presidente da Câmara dos Deputados. Arthur Lira é candidatíssimo e sua promessa para os parlamentares não é pequena. É manter o Orçamento Secreto. É manter, no Congresso Nacional, o controle de uma verba que em teoria o Executivo deveria comandar. Uma verba que dá autonomia ao Baixo Clero dos deputados, garante suas reeleições, e ao mesmo tempo impede que o governo possa direcionar dinheiro para onde é necessário. Caso as pesquisas se confirmem e Lula seja mesmo o novo ocupante do Planalto, o Centrão será uma ameaça concreta à governabilidade. A essa altura, não custa voltarmos atrás na história porque a palavra ‘Centrão’ engana. Ela representa sim, e há 35 anos, uma mesma força política dentro do Legislativo. Mas a forma como esta força se organiza mudou tanto neste arco do tempo que, de uma estrutura que permitiu ao Brasil ser governável apesar do fisiologismo perante a fragmentação partidária, tornou-se uma ameaça a esta mesma governabilidade.