O povo contra Donald J. Trump

Num hall de passagem para se chegar à corte de Manhattan, onde ouviria as 34 acusações listadas no caso 71543-23, em que o Povo do Estado de Nova York o processa pelo escândalo Stormy Daniels, e se declararia “not guilty” (inocente), Donald J. Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, teve de abrir seu próprio caminho. Os oficiais de Justiça que o antecederam não lhe concederam qualquer deferência: passaram e soltaram o que parecia ser uma pesada porta. Sem olhar para trás. Trump, a boca emburrada em U invertido, até disfarçou bem a surpresa de ter de segurar uma porta, provavelmente, pela primeira vez em décadas. Afinal, ele já estava recebendo um tratamento diferenciado, tendo sido dispensado de usar algemas e de fazer uma mug shot, aquelas fotos tradicionais de detidos nos EUA com macacão laranja.

Não que Trump não a quisesse. Uma imagem verdadeira, que materializasse o que ele repetidamente chama de “caça às bruxas”, seria um ativo eleitoral e tanto. Mas a verdade é algo de que Trump não se constrange em prescindir e, assim, a camiseta que sua campanha para voltar à Casa Branca em 2024 pôs à venda traz uma mug shot falsa com o “not guilty” logo abaixo. Poucas horas após a divulgação da notícia de que Trump havia sido indiciado, sua máquina de arrecadar fundos já tinha disparado e-mails e mensagens de texto, com alertas de que “o sistema de justiça entrou em colapso total”. Segundo um de seus assessores, Jason Miller, em quatro dias foram arrecadados US$ 8 milhões.

Tudo em plena sintonia com seu estilo. Tudo para alimentar o discurso que ele já deixou claro que adotará em seus comícios. Em uma conferência conservadora de fiéis de extrema direita em Washington, no início de março, Trump vociferou o que deve ser seu mote de campanha: “Eu sou seu guerreiro. Eu sou sua Justiça. E, para aqueles que foram injustiçados e traídos, eu sou sua vingança”. É com esse espírito e impasse que a aclamada “maior democracia do mundo” se depara depois de ter experimentado um governo de extrema direita.

O roteiro cumprido por Trump seguiu — quiçá, definiu —, em boa medida, aquele que ficou consagrado no livro Como as Democracias Morrem. Um primeiro mandato de horrores e erosão institucional. Um vale-tudo na busca do segundo. O que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt narram desse período pós-reeleição é o desmonte absoluto do Estado Democrático de Direito. Trump não foi reeleito em 2020, por mais crimes que, ao que tudo indica, tenha cometido. Tentou o segundo mandato via insurreição, no 6 de janeiro de 2021. Falhou. Agora, tem a chance de tentar via eleição novamente.

“The perp walk”

Antes, terá de percorrer um périplo na Justiça. Essa primeira acusação que sofreu — também a primeira vez da história dos Estados Unidos em que um ex-presidente da República se tornou réu em uma investigação criminal — envolve o tripé trumpiano: uma alta dose de vulgaridade, fraudes financeiras e eleitorais e um absoluto desdém pela democracia. Muito resumidamente, o caso decorre do papel de Trump nos pagamentos clandestinos a pessoas que tinham informações negativas sobre ele entre agosto de 2015 e dezembro de 2017. "O réu DONALD J. TRUMP falsificou repetida e fraudulentamente registros comerciais em Nova York para ocultar conduta criminosa e esconder informações prejudiciais do público votante durante a eleição presidencial de 2016”, diz o promotor Alvin Bragg no documento que acompanha os detalhes das acusações.

Pouco antes da eleição de 2016, o advogado Michael Cohen pagou US$ 130 mil à atriz pornô Stormy Daniels, cujo nome verdadeiro é Stephanie Clifford, para impedi-la de compartilhar a história das relações que diz ter mantido com Trump. O ex-presidente, que sempre negou publicamente o caso, reembolsou Cohen em 11 parcelas, de acordo com a acusação, mas apresentou essas despesas como honorários advocatícios. Em 2018, Cohen foi condenado por fraude, sonegação de impostos e violações de financiamento de campanha, e cumpriu três anos em prisão federal.

Durante o tempo em que esteve na corte criminal, Trump parecia menos altivo que de costume, quase humano. Para quem argumentava que o caso de Bragg talvez não fosse tão robusto e que começar o acerto de contas de Trump com a Justiça pelo que provavelmente seja o menos grave de seus crimes, o promotor deu um recado em sua coletiva depois da sessão: “Hoje defendemos nossa solene responsabilidade de garantir que todos sejam iguais perante a lei. Nenhuma quantia de dinheiro e nenhuma quantidade de poder muda esse princípio duradouro”. Uma nova sessão presencial está marcada para 4 de dezembro e a expectativa é de que esse julgamento comece em janeiro, no auge da temporada das primárias republicanas.

Mas Trump enfrenta outras investigações federais e estaduais. Das mais importantes, duas estão sob a responsabilidade do procurador especial do Departamento de Justiça, Jack Smith. Uma analisa a maneira como Trump lidou com documentos sigilosos em sua mansão de 114 cômodos em Mar-a-Lago, na Flórida, depois que ele deixou a Casa Branca. Em agosto, investigadores federais obtiveram um mandado para revistar o escritório de Trump e uma área de armazenamento em Mar-a-Lago. Smith já teria entrevistado várias testemunhas próximas a Trump, e um grande júri de Washington ouviu evidências envolvendo possíveis violações criminais.

Paralelamente, os promotores da equipe de Smith conduzem uma investigação paralela sobre as ações de Trump para reverter os resultados das eleições que levaram ao fatídico 6 de janeiro. A equipe de Smith examina um esquema promovido por Trump e aliados para reunir listas de eleitores inexistentes de estados que Trump perdeu para reverter a vitória de Biden. Essa investigação incluiu intimações de documentos de oficiais eleitorais locais em Wisconsin e Nevada. Não há previsão de uma data de indiciamento nesses casos. Na mesma linha, na Geórgia, a promotora do condado de Fulton, Fani Willis, investiga os esforços de Trump para anular a vitória de Biden por lá. Em um telefonema em janeiro de 2021, Trump disse ao secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, para “achar 11.780” votos.

Willis já convocou republicanos de alto calibre para testemunhar perante um júri, incluindo Rudy Giuliani, o senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, e o governador da Geórgia, Brian Kemp. Os jurados também ouviram os mesários, especialistas técnicos e funcionários do estado. Trump ainda não testemunhou. E Willis ainda não apresentou nenhuma acusação no caso, embora em fevereiro o júri tenha apresentado um relatório ao tribunal que concluiu que algumas testemunhas podem ter mentido sob juramento. Não há data marcada para nenhuma nova etapa desse caso.

Os inimigos da vez

Com essa fila de processos e potenciais acusações, não é de se estranhar que o alvo central de Trump em sua tentativa de ressurreição política seja a Justiça. No discurso surreal que fez em Mar-a-Lago depois do desfile criminal de Nova York, distribuiu ofensas a juízes e promotores dos casos contra ele. Na campanha de 2016 e no primeiro mandato, os inimigos eleitos eram a imprensa, os jornalistas, os meios de comunicação sérios. “Fake news”, naquela voz rouca e espremida, virou mantra da extrema direita. Parte da mídia aprendeu a lidar com Trump — ou está, ao menos, tentando. Rachel Maddow, por exemplo, uma das comentaristas políticas mais respeitadas da TV a cabo americana se recusou a retransmitir o discurso, alegando que era puro evento de campanha e que, se ele falasse algo noticioso, ela comentaria.

A Fox News, de Rupert Murdoch, responde também a um processo em que vazaram conversas internas dos âncoras e comentaristas mais trumpistas diante das telas revelando o quanto o consideram, bem, um idiota. Em janeiro de 2021, Murdoch pedia que seu canal desse um cavalo de pau na cobertura e transformasse Trump numa “non person”, anulasse sua figura. Mesmo Tucker Carlson, praticamente um assessor de imprensa do ex-presidente, aparece dizendo que odeia Trump profundamente. Agora, logo após o indiciamento de Trump no caso Daniels, Carlson declarou que essa “perseguição“ a Trump é um ”ataque ao sistema muito maior do que visto no 6 de janeiro”.

Essa resistência da Fox em abandonar Trump é o mesmo impasse que vive parte do Partido Republicano. Ele não sofreu, ao menos até aqui, nenhuma séria consequência por seus atos e, por isso, chega a 2024 como um candidato mais do que viável à Presidência da República. Pode ter parecido que Trump esteve detido na terça-feira, mas a sensação é de que quem está preso, em cativeiro, em sua retórica e no magnetismo da extrema direita é parte da opinião pública, da direita, dos eleitores.

Isso porque não é fácil punir um ex-presidente nos EUA. Se dois ex-presidentes franceses, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy, já foram condenados por corrupção após seu mandato; se o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi foi considerado culpado de fraude fiscal em 2012; Richard Nixon renunciou à beira do impeachment em agosto de 1974 e recebeu o perdão absoluto de seu sucessor, Gerald Ford, um mês depois. Bill Clinton sofreu impeachment no outono de 1998, depois de ser acusado de dar falso testemunho a um grande júri, mas nunca foi processado. Simplesmente, não existe essa tradição por lá. Existe uma preocupação, até legítima, de que se o Departamento de Justiça abre um precedente, um outro turno no poder possa abusar dessa brecha para perseguir inimigos.

Mas há também uma certa soberba. Em uma entrevista, Martin London, ex-advogado de defesa do ex-vice-presidente Spiro Agnew, disse que “uma das coisas que está segurando [o procurador-geral Merrick] Garland é o medo de não querermos ser vistos como uma daquelas repúblicas onde, assim que você tem um novo governo, você vai em frente e indicia todos no antigo governo”. “Uma daquelas repúblicas” a gente sabe o que quer dizer. Só que o risco, desta vez, talvez seja maior do que nunca. Os EUA caminham para a terceira campanha consecutiva em que Trump domina o enredo. O Estado de Direito estará sob ataque, mais do que nunca.

E seu guru sequer busca esconder essa estratégia. “Acho que sua retórica sobre isso será muito intensa”, disse à Time Steve Bannon, ex-estrategista da Casa Branca de Trump. “Estes são os bolcheviques americanos e estão vindo atrás de Trump com força.” E Trump, acrescenta Bannon, provavelmente se venderá como um símbolo para os americanos que sentem que também são vítimas de um sistema que os prejudicou.

Ao tingir toda e qualquer tentativa de devido processo legal como perseguição política, Trump tem, a seu dispor, uma narrativa que casa perfeitamente com o método extremista. E que cola até com parte dos mais sensatos. Enquanto 60% dos americanos aprovam o indiciamento de Trump, de acordo com uma pesquisa da CNN, 76% dizem que a política desempenhou pelo menos algum papel na decisão de indiciar Trump, incluindo 52% que disseram que desempenhou um papel importante. Ao mesmo tempo, a acusação parece não ter tido grande efeito nas opiniões sobre a pessoa de Trump, com 34% favoráveis a ele e 58% desfavoráveis.

Ainda assim, Trump tentou levantar as massas a seu favor na terça e nas semanas que antecederam sua prisão, e flopou. Meia dúzia de trumpistas pingados compareceram à frente da corte em Manhattan e da Trump Tower e jornalistas, esses sim em peso, tiveram de fazer fila para entrevistar os Maga (Make America Great Again) lovers. Se um dos medos dos promotores era o de, ao acusar Trump uma multidão se insuflar a seu favor, o caso Daniels pode ter servido como teste.

Nos últimos três ciclos eleitorais, os republicanos do Maga tiveram derrotas importantes. Do lado democrata, há uma percepção — ou esperança — de que eles não estarão dispostos a dobrar a aposta em 2024. Só que a alternativa a Trump não tem se mostrado forte. Pesquisa do Yahoo News/YouGov com eleitores republicanos ou que tendem a votar em republicanos, realizada em 30 e 31 de março, mostrou Trump com uma vantagem de 26 pontos em um confronto hipotético contra o governador da Flórida, Ron DeSantis — um salto de 18 pontos em relação a duas semanas antes. E há aquelas figuras histriônicas que crescem nesses momentos de retórica belicosa, como Marjorie Taylor Greene, Matt Gaetz e afins, confundindo os conservadores com a ideia de que há uma grande conspiração liberal contra os ”verdadeiros americanos”.

Dependendo de como a Justiça americana fizer suas próximas jogadas e a mídia conduzir sua cobertura, Trump pode sair politicamente vitorioso. E pode até ser presidente, mesmo indiciado e preso. Como a Constituição americana não veta presidentes com problemas na Justiça, memorandos de 1973 e 2000 delinearam as consequências de uma acusação pendente para o funcionamento do presidente no cargo. O primeiro dizia: “[o] espetáculo de um presidente indiciado ainda tentando servir como chefe do Executivo chega a desafiar a imaginação”. É exatamente o que gente como Trump faz.

O tubo dos Jetsons

Por Wagner Martins, de Rotterdam

Há 10 anos, durante uma entrevista casual, Elon Musk expôs pela primeira vez mais uma de suas ideias malucas: o Hyperloop, um sistema de transporte de alta velocidade que poderia revolucionar a forma como movimentamos passageiros e carga pelo mundo. “Tecnicamente é tão fácil que até meus estagiários poderiam desenvolver”, já declarou.

O que parecia ser apenas um devaneio futurista do excêntrico CEO da Tesla, SpaceX e Twitter, acabou se tornando uma realidade palpável. Abraçando a filosofia “open source”, Musk passou a patrocinar concursos através da SpaceX. E não foram apenas estudantes de engenharia que se engajaram nessa empreitada; equipes multidisciplinares de todo o mundo, desde designers até físicos, estão trabalhando em suas próprias cápsulas para viajar a altas velocidades no tubo de vácuo do Hyperloop. Os prêmios oferecidos aos vencedores já ultrapassaram a marca de US$ 1,5 milhão.

Uma equipe de universitários holandeses venceu uma das etapas do concurso em 2016 e quatro dos seus integrantes resolveram fundar sua própria startup: a Hardt Hyperloop. Em 2017, os garotos de 20 e poucos anos receberam um investimento de seeding da NS, a estatal ferroviária holandesa. Em 2021, já acumulavam cacife para contratar um CEO com vasta experiência em uma das maiores empresas de engenharia da Europa. A meta é ter um trecho em operação na próxima década. Diante desses fatos, decidi então fazer o que qualquer cético faria: chamar um barco-táxi para me levar até a sede da Hardt, aqui em Rotterdam, e descobrir qual é a desse caô.

Metrópoles hyperconectadas

Mesmo com a chegada de tecnologias revolucionárias, a angústia de ter que correr atrás do transporte agendado pelo aplicativo ainda me parece um problema sem solução (confira nesse vídeo 360 a minha corrida da porta da minha casa até o ponto de barco-táxi, enquanto levo uma suave bronca por chegar 5 minutos atrasado).

As cápsulas da Hardt Hyperloop, que vão transportar até 60 passageiros e têm um tamanho similar ao de um bonde VLT, sairão das estações em horários agendados. A startup acredita que a experiência de viagem ainda começará pelo app. Espero manter minha forma física até lá e não perder a hora das minhas cápsulas, mas caso ocorra, não seria tão preocupante quanto perder um avião ou um trem. Isso porque o Hyperloop possibilita uma alta frequência de circulação, graças à agilidade no embarque e desembarque e ao fluxo de alta velocidade nos tubos. Essa eficiência supera a capacidade de pousos e decolagens em um aeroporto ou ocupação das plataformas em uma estação ferroviária.

Uma característica positiva do Hyperloop é que ele ocupa menos espaço e sua estrutura pode ser enterrada ou elevada com viadutos pouco volumosos, evitando a necessidade de grandes áreas de terreno plano. Isso permite que ele seja implantado em áreas urbanas densamente povoadas, onde a expansão de outros modos de transporte é limitada.

Outro conceito importante é o de estações em rede. As cápsulas podem ir de uma estação para outra diretamente, sem necessidade de parar de ponto em ponto, como um bonde. Da minha casa até o M4H, novo distrito de inovação da cidade, demoraria 35 minutos para percorrer 17 estações. O barco-táxi demorou apenas 20 minutos para me levar direto do ponto 10 ao ponto 85. De forma análoga, com o Hyperloop eu chegaria em 30 minutos em Paris, direto de Rotterdam. Sem necessidade de parar na Antuérpia, em Bruxelas, em Lile e no Aeroporto Charles de Gaulle, nas atuais 3 horas e meia via trem-bala.

Showroom do futuro

A caminhada do cais onde fica o ponto do barco-táxi até as “Lee Towers”, prédio moderno que eclodiu no meio de antigos galpões e armazéns portuários, é bem curta. Na porta, o responsável pelas relações públicas da Hard Hyperloop me recebe em bom português. No início de sua carreira, trabalhou durante 6 meses na Embaixada dos Países Baixos em Brasília. Hoje, a sua missão é apresentar a tecnologia para autoridades que definem as políticas públicas de transporte no longo prazo. Junto ao seu escritório, a startup tem um centro de experiência. Nele é possível sentir o espaço e o conforto dos passageiros em um mockup do interior de uma cápsula, ver maquetes que mostram os tubos cruzando cidades e animações de como acontecem o embarque e desembarque nas estações.

Dos atuais 50 funcionários da empresa, 70% são engenheiros. Os desafios técnicos são os principais elementos ainda a serem trabalhados, mas a empresa também conta com uma “head of Economics”. A necessidade de uma infraestrutura completamente nova para sua implementação demanda um alto custo inicial e um longo período de planejamento e construção. Mostrar que “a conta fecha” é tão importante quanto fazer uma cápsula de múltiplas toneladas levitar magneticamente na frente de olhares incrédulos. E é no local onde eles apresentam esse truque de mágica que a visita termina: dentro de um tubo de 30 metros que reproduz o fenômeno da levitação magnética em uma escala reduzida, mostrando que a flutuação da cápsula não é feitiçaria, é tecnologia! Acompanhe minha incursão dentro deste tubo neste outro vídeo 360.

As demonstrações no showroom foram suficientes para garantir investimentos adicionais do Conselho Europeu de Inovação e da região de Groningen, no norte dos Países Baixos. Lá está sendo construído um centro europeu de testes que contará com tubos em uma escala maior e com a capacidade de realizar uma bifurcação de linha.

Metas de curto prazo

Cruzar um continente com a mesma facilidade que atravessamos uma cidade ainda vai demorar, mas a Hardt é bem pragmática ao encarar este desafio. A inauguração do centro europeu ainda neste ano, feito com a sua tecnologia, permitirá a sua integração com parceiros em todo o mundo. Um laboratório comum que ao mesmo tempo facilita a adoção de padrões e atrai a participação de novas regiões. Com isso, a empresa fica em uma excelente posição para conquistar algumas das licitações para a construção de trechos experimentais que já começam a se desenhar em diversos países.

Em um estudo recente, foi divulgado que o Aeroporto de Amsterdam tem um excelente potencial para ser um dos primeiros hubs da rede na Europa. Não pelo grande fluxo de passageiros, mas sim pelo transporte de cargas. As especificações dos contêineres de transporte no Hyperloop seriam compatíveis com os mesmo usados em cargas aéreas. O tipo de carga também seria similar às transportadas nos aviões, mas com uma capacidade de movimentação muito maior por conta da alta frequência. Começar com cargas é menos complexo. A homologação para transporte de passageiros deve demorar mais e seguir protocolos de segurança bem mais rigorosos.

Terminei a visita com a certeza de que o Hyperloop vai acontecer e a missão dos “estagiários holandeses” do Elon Musk não é mais mostrar que ele é possível, mas sim se posicionar diante de um punhado de outras empresas concorrentes que já pipocam ao redor do planeta. Qual será a primeira a construir o primeiro trecho operacional? A largada foi dada, em tom de bravata, há 10 anos.

O ostracismo do futebol raiz

“Na sexta e no sábado a gente se reúne, troca ideia, fala do jogo. No domingo é churrasco logo cedo e depois descer em caravanas para o estádio”, relata Lucas Caetano, de 28 anos, diretor de “bondes” da Ira Jovem, principal torcida organizada do Gama (DF). “Quando chega no entorno do estádio já tem aquela energia surreal, o ‘esquenta’ da bateria, a galera gritando, foguetes. Passou do portão, é sagrado. É um sentimento de liberdade”, diz o torcedor.  A maior alegria de um torcedor ou de uma torcedora, certamente, é ver seu time jogar. Quando as partidas terminam em vitória, então, a semana de fanáticos e aficionadas é recheada de contentamento, gozações com rivais e especulações sobre o próximo desafio da equipe. Com o fim dos combatidos e combalidos campeonatos estaduais, porém, algumas torcidas tradicionais têm de amargar um longo e sombrio período de inatividade, e rotinas como as narradas acima se tornam apenas uma lembrança distante.

Pode parecer um tanto absurdo para torcedores de times como Flamengo ou Corinthians, dentre tantos outros gigantes do esporte nacional. Ainda assim, no “país do futebol”, um calendário sem jogos é realidade para clubes que, num passado não tão distante, figuravam nas primeiras prateleiras do Brasil. A Sociedade Esportiva do Gama, por exemplo, ergueu o troféu da segunda divisão nacional em 1998. À época, era “o” time da capital federal, capaz de rivalizar contra grandes do eixo Rio-São Paulo, com representantes de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, os estados mais proeminentes no futebol brasileiro. Demovido novamente à Série B em 2002, o Periquito desceu à Terceirona em 2008 e, em 2010, foi à então recém-criada Série D para nunca mais voltar.

Fora de competições nacionais há alguns anos, os alviverdes, mais uma vez, terão de “secar” os arquirrivais do Brasiliense e do Ceilândia na quarta divisão do futebol brasileiro. E como fica o coração órfão de torcedores e torcedoras? “Infelizmente, não é o primeiro ano”, lamenta Lucas. “Eu lembro que, quando caímos da D para nada, pensei ‘meu time acabou’. É um sentimento de ter perdido um parente. Aí acontece outro ano, outro ano, outro ano e a gente acaba calejando. Eu vou sempre secar o Brasiliense e acompanhar o futebol em si, sou apaixonado por esporte, mas não ver o Gama jogar é um martírio”, desabafa. Há, ainda, outro fator para aumentar o sofrimento gamense: desde a chegada da pandemia da covid-19 ao Brasil, a maior e mais barulhenta torcida do Distrito Federal não tem acesso ao seu estádio, o Valmir Campelo Bezerra — o Bezerrão —, seja pelas restrições de público ou pela instalação de hospitais de campanha no gramado da praça esportiva — e não no estacionamento, como de praxe no DF durante a crise sanitária. Assim, tornou-se necessária a troca da relva do estádio, que só será entregue no final de 2023.No Campeonato Candango deste ano, o Gama virou um time cigano, sem uma casa própria para mandar seus jogos e receber a torcida alviverde.

Problemas estruturais

Dos oito países campeões mundiais de futebol, o Brasil é o que tem menos ligas para seus clubes. São apenas quatro, como dito, e cerca de 90% das agremiações registradas passam entre seis e oito meses apenas esperando a próxima temporada. Até agosto do ano passado, conforme levantamento junto ao Cadastro Nacional de Clubes Profissionais (CNCP), havia 1.153 clubes em atividade no país, sendo 795 agremiações profissionais. As quatro divisões nacionais, somadas, dão calendário a 124 clubes — vinte em cada uma das três primeiras e 64 na D. Isso significa que pouco mais de 10% das entidades registradas junto à CBF têm previsão de jogos ao longo de boa parte do ano, levando em consideração, ainda, que as séries C e D têm fases de mata-mata e que alguns participantes disputam apenas as fases iniciais. O Santa Cruz, que, junto a Sport e Náutico, compõe o “Trio de Ferro” pernambucano, tem vivido esse drama. Na temporada passada, o tricolor recifense foi eliminado na fase 16 avos, antes mesmo das oitavas de final da Série D, ainda em agosto. Com isso, foram quatro meses de inatividade.

Baixista da banda Devotos do Ódio, Marconi de Souza Santos, de 53 anos, ou simplesmente “Canibal”, frequenta o Mundão do Arruda — o maior estádio particular do Nordeste — desde os cinco anos. As décadas de 1970 e 1980 representam, até hoje, um dos auges do Santinha. “Meu primeiro jogo foi 5 a 0 em cima do Bahia e eu não vi um gol sequer”, lembra o músico. “Tinha pra mais de 80 mil pessoas no Arruda, cheio de bandeiras. Eu me apaixonei primeiro pela torcida, depois pelo Santa Cruz.” Os quatro meses “de férias” no ano passado já foram cruéis com um dos representantes do forte heavy metal pernambucano. “Por um lado, o time que não joga não perde. Isso é um lado bom, sou honesto. Eu fico triste sem ver meu time jogar. Sou apaixonado, vou ao treino, vou a jogo, vejo tudo. Quando não tem [partida], eu fico muito mal. Faz falta”, diz ele, que não torce para outro time e sequer acompanha outras disputas — nem mesmo as dos rivais.

Em Portugal, país cuja melhor participação em Copas rendeu um 3º lugar no longínquo 1966, também há quatro ligas, mas há campeonatos de até quatro divisões organizados por federações regionais. Na Inglaterra, campeã do Mundo naquele mesmo 1966, são cinco ligas nacionais, com 17 subdivisões regionais, que também servem de trampolim para certames maiores. A diferença é ainda maior quando se leva em consideração o tamanho dos países. Portugal e Inglaterra, juntos, têm uma área menor que o estado da Bahia. E os prejuízos do deserto de jogos não ficam apenas na grama dos estádios ou nas arquibancadas. De acordo com os professores Pedro Trengrouse e Vantuil Gonçalves, o ostracismo de clubes que se dedicam apenas aos estaduais também custa caro aos cofres do país.

Ainda no governo Temer, em 2018, a Secretaria Nacional de Futebol do Ministério do Esporte encomendou um estudo à Fundação Getúlio Vargas (FGV) e, como resultado, atestou que, caso os clubes “sem série” tivessem calendário por todo o ano, cerca de 25 mil novos empregos seriam criados, entre diretos — relativos à rotina de treinos, jogos e viagens — e indiretos — relacionados a vendas alimentícias ou mesmo de materiais esportivos. Com a roda da economia girando, cerca de R$ 600 milhões seriam injetados no Produto Interno Bruto (PIB), valores que, corrigidos pela inflação, ultrapassam R$ 1 bilhão segundo os índices de março deste ano.

“O amor pelo Santa não morre”

Eliminado no Campeonato Estadual de 2023 pelo Petrolina, o Santa Cruz está oficialmente sem calendário para 2024 que não seja o Pernambucano. Fora das Copas do Nordeste e do Brasil, a Cobra Coral, como o clube é conhecido, joga todas as fichas na quarta divisão desta temporada, que tem início previsto para maio. Caso não suba, serão quase oito meses de portas fechadas no ano que vem. Mas Canibal não se anima. “A gente vê, hoje, um marasmo em campo. Eu quero ver o Santa jogar. Se ele não jogar, eu não vou ter o que fazer”, desabafa. O cenário piora quando os pequenos e as baixinhas sofrem na pele o que nem mesmo adultos conseguem assimilar. Para torcedoras e torcedores, a hereditariedade da paixão futebolística é uma das marcas mais profundas na relação parental. Passar o amor pelo clube do coração às novas gerações é uma forma, inclusive, de renovar as fileiras das arquibancadas, garantir as próximas décadas de alento incondicional. A inatividade dos clubes, no entanto, atrapalha a formação de novos apaixonados.

“Tem muito amigo meu que tem filho e o filho quer torcer pro Sport, pro Náutico. Lógico, né? A criança não vê o time jogar, só os rivais jogando, os amigos tirando onda. Mas minha filha, não. Eu digo para ela que é nessas horas que ela tem que vestir a camisa, mostrar orgulho, mostrar que o amor pelo Santa não morre. É isso que deixa os rivais putos”, relata Canibal, com certa raiva. Na periferia de Brasília, mesmo em meio à apaixonada torcida alviverde, a situação é um pouco mais complicada. “Eu nasci no Gama, cresci lá. Meu pai sempre foi do esporte, do futebol, e desde pequeno ele me levava para o Bezerrão. Estava com ele em 1998, no Mané Garrincha”, lembra Caetano, citando a maior conquista da agremiação. “Minha filha tem sete anos e me pergunta: ‘por que eu vou torcer pro Gama se ele nem joga?’ É muito difícil. Ela sempre teve muito orgulho; agora que entende mais [de futebol], vê os times ganhando título na televisão e quer torcer para clubes que estão na moda. Eu digo que a gente é Gama, que tem que ter um espacinho no coração para o Gama.”

Para encerrar, os mais clicados da semana pelos leitores. Boa Páscoa!

1. g1: Implementação do Novo Ensino Médio é suspensa.

2. Folha: O bolsonarismo como forma de ver o mundo, por Esther Solano.

3. Panelinha: Salmão assado com páprica, mel e cebola roxa.

4. YouTube: O trailer do Besouro Azul.

5. Valor: O que será preciso para nova regra fiscal funcionar?

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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