Edição de Sábado: A coalizão de bilhões

Ao romper o mês de maio, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), despencou logo cedo da Residência Oficial da Câmara, no Lago Sul, e foi direto para o Palácio da Alvorada, se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Era uma terça-feira, segundo dia do mês, data marcada para a votação do PL das Fake News no plenário da Câmara. A proposta não era uma prioridade absoluta do Planalto, embora fosse de interesse, já que significaria um teste importante sobre o quanto Lira poderia entregar em votos no universo de 513 deputados.

Lira levou queixas ao café da manhã de Lula. Havia uma semana já o incomodava a notícia que chegara aos seus ouvidos: a secretária-geral da Casa Civil, Miriam Belchior, havia ligado de pasta em pasta da Esplanada, em uma operação para conter a liberação de emendas prometidas. Os deputados encheram de reclamações o presidente da Câmara.

A insatisfação levada por Lira não era, necessariamente, uma surpresa para Lula. No fim de semana anterior, o alagoano já havia passado recados nada sutis. Em entrevista ao Globo, reclamou que os parlamentares precisam ficar com o “pires na mão”, de ministério em ministério, para poder levar recursos para suas bases. Lira também mirou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o chamando de “sujeito fino e educado”, mas com “dificuldades”. “Se você centraliza, prende muito”. Ficava a dica.

O que se seguiu a partir daquele dia na Câmara foi uma sequência de derrotas. Naquela noite, o presidente da Câmara tirou o PL das Fake News da pauta da sessão, alegando que não tinha votos suficientes para aprová-la. A oposição tratou como derrota do Planalto. Enquanto isso, o líder do governo, deputado José Guimarães, reclamava: “Por mim, iria para voto, mas não sou o dono da pauta”. No dia seguinte, Lira embarcou para os Estados Unidos, mas deixou pautado outro constrangimento para o governo: a derrubada de dois decretos de Lula sobre o marco do saneamento.

Lula saiu desanimado do encontro com Lira. Já no Planalto, repassou as queixas para o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e para Padilha. Depois, seguiu para o Itamaraty, onde tinha um almoço com o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva. Ao chegar, com o semblante cabisbaixo, disse aos jornalistas que não pretendia interferir em assuntos do Parlamento, ao ser instado a fazer uma aposta sobre a votação do PL das Fake News. “Eu procuro não me meter muito na questão da Câmara porque conversar com um já é difícil, imagina conversar com 513”, respondeu. “Deixa a Câmara decidir a hora que vai votar. Vamos aguardar o resultado.”

A resignação era de quem sabia que as tentativas para a formação de uma base na Câmara, contando com votos de Lira, patinava. E de quem sabe quanto ela custa.

Os fios dos bigodes

Diferentemente do que fez o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), Lula está decidido a não entregar a Lira o controle da gestão do orçamento. “É uma decisão tomada”, disse um dos interlocutores palacianos ao Meio. Só que, ao mesmo tempo, o governo entende que é necessário acertar com Lira o fluxo de pagamentos das emendas para que se “cumpram os acordos” — e acordos vêm sendo feitos. Não existe almoço nem votação grátis. A negociação segue a cada projeto de interesse do governo na Câmara, em que os articuladores de Lula precisam despejar recursos para os deputados levarem para seus estados. E a perspectiva da disputa municipal no próximo ano aumenta ainda mais o apetite dos parlamentares.

Um petista graduado ponderou, em reservado, que a preocupação é que “essa conta no varejo, projeto por projeto, saia mais cara que o próprio orçamento secreto”. Ele apontou outra consequência dessa amarra. “Assim vai faltar dinheiro para investimento”. Talvez seja esse o maior dilema do governo Lula 3: ter de reconstruir ou inaugurar políticas sociais sob a imensa pressão por rigidez fiscal e tendo de saciar um Congresso arredio em sua cobiça por recursos.

Numa bronca generalizada que Lula deu em sua equipe quando voltou de Londres, depois de participar da coroação do Rei Charles III, uma das ordens se direcionou à Casa Civil: era hora de abandonar a estratégia de conter recursos que serviriam para robustecer o “novo PAC”. Lula considerou inaceitável a sequência de derrotas da semana anterior e apontou que era necessário, primeiro, cumprir os acordos firmados com os deputados. Até aquele momento, a motivação da Casa Civil era apresentar um montante considerável de recursos para os investimentos em infraestrutura, dentro do programa prometido por Lula como marco de seus 100 dias de governo.

Os recursos estavam para ser anunciados ainda neste mês de maio. Foi isso que motivou os telefonemas feitos pela secretária Miriam Belchior mandando fechar as comportas dos ministérios. Na reunião, Lula também acertou com Padilha a realização de reuniões periódicas do ministro com líderes da Câmara, em uma tentativa de azeitar a relação. Na parte da tarde, Padilha, que estava na berlinda das críticas dos parlamentares, anunciou as decisões e se colocou como uma pessoa com total capacidade de negociação. “Eu estou acostumado a esse cargo. Não sou marinheiro de primeira viagem”, disse, lembrando que participou da articulação política de Lula no primeiro mandato, em 2005, junto com Jaques Wagner, então ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) e depois, no segundo mandato, assumiu a coordenação política do governo.

A chamada de Lula valeu. Na semana passada, diante da perspectiva de votação do regime de urgência do novo arcabouço fiscal, o governo despejou R$ 700 milhões em emendas. O volume foi o maior já liberado por este governo em um só dia e representa 58% de tudo que foi liberado até aqui. O montante serviu para acalmar os ânimos na Câmara, que aprovou a tramitação em urgência por 367 votos a favor e 102 contrários. Para a semana que vem, quando está marcada a votação do mérito da proposta, o governo já prepara mais um derramamento de cerca de R$ 1 bilhão. E ainda estão em disputa os R$ 9 bilhões que ficaram “pendurados” do orçamento secreto em si.

Crédito ou débito?

Há notícias de que Lula anda angustiado com a incapacidade de governar perante um Congresso conservador, uma Câmara sedenta por emendas e cargos e com deputados obedientes a Lira. A ideia de ter que adiar ou anunciar um plano de investimento mais modesto tem minado a confiança de Lula de que vai conseguir cumprir promessas de fazer a roda da economia girar e gerar empregos no curto prazo.

Mas, no momento, a avaliação é de que é o preço que se precisa pagar. Lula e seus principais assessores já entenderam que esse Congresso não funciona como o de seus primeiros mandatos. Lula sabe que Lira perdeu poder com o fim do orçamento secreto determinado pelo STF no fim do ano passado, mas sabe também que não dá para fazer nada sem os votos que o alagoano capitaneia no centrão. “Na Câmara, estão se queixando que o governo está tardando a fazer o que combinou, como a indicação para um ministério, a nomeação de um técnico competente. Tem que fazer, pois, senão, a conta vai ficar mais alta. Acho que a coisa mais barata é cumprir o que a gente prometeu. Quando a gente abrir a boca e prometer, temos de cumprir. Se não for cumprir, não prometa. Essa é a lição. Tenho conversado com o presidente Lira. Se houver desavenças na política, tudo se acerta”, disse Lula, enquanto estava em Londres.

Na frigideira

Ciente dessa disposição de Lula, Lira estica a corda o tempo todo, critica e atravessa os ministros da articulação política da cozinha do Planalto, manda recados via imprensa, cobra “fluidez”. Nas conversas sobre o arcabouço fiscal, deixou bem claro que seu interlocutor é somente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT-SP), a quem, em contrapartida, tenta blindar de críticas na Câmara. Sobra para Rui Costa e Alexandre Padilha a fama de inábeis e antipáticos.

É uma velha tática do fisiologismo a de fritar ministros responsáveis por liberar verbas quando eles estão mais, digamos, econômicos. “Quando ele era governador, tinha fama de tocador de obra. Agora, tem fama de tocador de gente”, disse um aliado de Lira se referindo a Costa. Não raramente a associação com o governo de Dilma Rousseff aparece na turma de Lira, principalmente quando se refere a Rui Costa e a sua secretária executiva, Miriam Belchior. “É uma combinação explosiva. Os dois fazem o jogo duro da Dilma e a gente sabe como tudo terminou”, ameaçam alguns deputados.

Publicamente, Lira só pressiona para que o governo “delegue” mais a execução do orçamento. Delegue para quem? Para o Congresso. “O governo como um todo, não só os articuladores políticos, precisa entender que o momento é diferente, que o Brasil não é o Brasil de 20 anos atrás”, disse Lira no início dessa semana, em entrevista à BandNews. “O que eu penso e apelo é que o governo precisa de três movimentos: o governo precisa descentralizar, o governo precisa confiar e o governo precisa delegar. Ele descentralizando, acreditando e delegando, ele melhorará sua articulação política. Por enquanto, o governo está muito internalizado no PT e não tem aberto mão de posições para a formação de sua base aliada”, disse.

Manda currículo

O governo estima que existam ainda 400 cargos a serem distribuídos e, no rol de pedidos, tem de tudo. Tem gente indicada para diretoria de bancos com o qual tem dívida protestada; outros com empresa relacionada ao setor a ser comandado; e por aí vai. “Tem até caso de madeireiro querendo ir para o Ibama”, disse um interlocutor do Planalto.

Mesmo com a liberação das emendas e com a aceleração pedida por Lula na distribuição desses postos, o governo segue sem perspectiva de uma base firme na Câmara. É um Congresso diferente, mal acostumado com as cessões do governo anterior e, nas palavras do cientista político Sérgio Abranches, a coalizão, entre partidos “gelatinosos”, está “líquida”. Também não vislumbra lealdade de partidos do centrão, mesmo os que ganharam cargos na Esplanada. É o caso, por exemplo, do União Brasil, que tem Juscelino Filho nas Comunicações; e do PSD, que tem Carlos Fávaro na Agricultura.

Essa falta de compromisso dos partidos contemplados com a lógica de um governo de coalizão que Lula tenta montar também coloca sob ameaça outras negociações que serão dispendiosas ao Executivo, como as medidas provisórias que estabelecem o novo desenho da Esplanada, o novo Bolsa Família e o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Todos esses representam projetos estruturantes para o governo.

Lira alimenta esse descompromisso, porque não tem interesse em um governo de coalizão. Segundo interlocutores, ele quer voltar a falar sobre a implantação de um regime semipresidencialista no Brasil, com mais poder para o Congresso, e ainda tentar incluir nas discussões do Plano Plurianual (PPA), projeto que traça diretrizes para o orçamento dos próximos quatro anos, uma forma de tornar a execução das emendas mais impositivas. Ou seja, a cada ano, o governo ficaria ainda mais engessado em seus investimentos e tendo que pagar as emendas defendidas pelos deputados e senadores. Sua lógica é continuar negociando. Até o momento, seu compromisso vai até a aprovação da reforma tributária, prevista para o mês de junho. Já para o segundo semestre, nada está acertado. Haja bilhão.

Sem sorte no jogo de azar

Bet365, uma das maiores casas de apostas esportivas do mundo e que ostenta diversos anúncios, inclusive nos gramados Brasil afora, tem um registro curioso na Receita Federal. Cadastrada ainda em 2015, a Bet365 Loterias do Brasil LTDA é definida como uma empresa de consultoria em gestão empresarial”. A empresa é britânica, mas, para funcionar no Brasil, precisa, entre outras coisas, do registro na Receita — só que em nenhum momento é apresentada pela finalidade de seu negócio: apostas. 

Como forma de contato, Leonardo David Penna de Cordeiro, sócio-administrador, apresentou o telefone (11) 1111-1111, número que, além de ter o DDD de São Paulo mesmo com a empresa sediada em Brasília, obviamente não existe. Também não são informados contatos através de e-mail ou site, modo pelo qual a Bet365 oferece seus serviços. No endereço físico listado, no Setor Comercial Sul, em Brasília, não há qualquer tipo de atividade. As salas estão vazias; as portas, empoeiradas. Procurado, Cordeiro não retornou as tentativas de contato da reportagem.

E ainda que a Bet365 tem CNPJ. Outras gigantes, como a Betano e a Sportingbet, nem isso. A Betano detalha que seu “site é operado pela Kaizen Gaming International Ltd, uma empresa estabelecida em Malta com o número de registro C43209, com seu endereço registrado no Flat B8, The Atrium, West Street, Msida MSD 1731, Malta. Kaizen Gaming International Ltd. é licenciado e regulamentado pela Malta Gaming Authority sob licença MGA / CRP / 152/2007, emitida em 12 de junho de 2019”. A Sportingbet anuncia que “tem operação por ElectraWorks Limited (Suite 6, Atlantic Suites, Gibraltar), empresa licenciada pelo Governo de Gibraltar com números de Licença 050 e 051”.

É em meio a esse tipo de sombras que se expande, vertiginosamente, o mercado de jogos online no Brasil. E, na bruma da falta de uma regulamentação no país, crescem na mesma velocidade e escala as ilegalidades em torno dele.

Há algumas semanas, o futebol brasileiro tem sido chacoalhado pelas operações Penalidade Máxima e Penalidade Máxima II, que investigam esquemas ilegais de apostas esportivas. (Aqui vale a ressalva que as casas de apostas, nesses casos, não estão sendo acusadas de nada.) A discussão sobre a ética e a legalidade da prática tomou os programas de debate — mesmo os que têm sites de apostas entre os anunciantes — e trouxe de volta a questão: por que é tão difícil legalizar jogos de azar e apostas no Brasil? Sem legislação específica, diversas casas de apostas se estabeleceram no Brasil de forma acelerada, mas sem de fato estarem no país. Placas de publicidade nos gramados, propagandas em horário nobre para o esporte e patrocínios a clubes de futebol explodiram, ao ponto de 39 dos 40 clubes das séries A e B do futebol masculino nacional contarem com alguma bet no fechamento das finanças — e nos uniformes de jogo.

As bets viraram febre no país em que o futebol é vivido de forma intensa e cotidiana. Há perfis nas redes sociais que orientam os possíveis apostadores sobre que caminhos seguir na hora de “fazer uma fé”. Na mesma Série B vasculhada e investigada pelo Ministério Público goiano — que desencadeou toda a investigação e desaguou na Penalidade Máxima —, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) determinou aos clubes que exibam em seus uniformes a logo da patrocinadora master da competição, a Betano, justamente uma bet.

A bem da verdade, o descaso do poder público não é exclusividade das apostas esportivas. Mais antiga “fezinha”, o jogo do bicho é, talvez, o principal exemplo dos efeitos da não-regulamentação de determinados setores. E do falso moralismo com que o Brasil lida com o assunto. Criado para aumentar a visitação a um zoológico carioca ainda na década de 1890, o jogo do bicho, mesmo ilegal, é uma das instituições mais sólidas do país. Com bookmakers espalhados pelas ruas, movimenta cerca de R$ 12 bilhões anualmente, segundo estimativas feitas em 2016. Sem regulamentação, as jogatinas caem na ilegalidade, não têm recolhidos os impostos devidos e alimentam organizações criminosas, como o caso dos bicheiros que comandavam comunidades inteiras no Rio de Janeiro até meados dos anos 1990. 

Um dos projetos mais antigos em tramitação no Congresso Nacional é o PL 446 de 1991, que versa sobre a legalização do jogo do bicho e a liberação de cassinos e bingos. Aprovado pela Câmara em fevereiro do ano passado, o projeto aguarda deliberação do Senado, onde está travado na Secretaria de Apoio da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Na Casa Baixa, rachou a base governista e enfrentou resistência de parlamentares como Sóstenes Cavalcante (DEM/RJ), que enxergava no projeto um “custo social muito grande”. “Sempre que se aborda a geração de empregos ou arrecadação, não se leva em consideração o custo social. Essas pessoas terão problemas graves, desajustes familiares. Muitos terminam em suicídio e em questões que sobrecarregam o SUS”, sustenta o parlamentar, antigo líder da bancada evangélica. Ainda de acordo com ele, o fato de ser pastor evangélico não influi sobre a opinião, como apontam seus opositores. 

Bola pro mato

Com relação às bets, em 2018, o então presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.756, que, entre outras providências, trata do funcionamento do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e estipula formas de financiamento para ele. Uma das fontes de recursos provém do que foi estabelecido pelo artigo 29 como apostas de quota fixa, que nada mais são que as apostas “relativas a eventos reais de temática esportiva”. A norma, que surgiu de uma Medida Provisória sobre o tema, também estabelecia em dois anos, prorrogáveis por mais dois, o prazo para que o Ministério da Fazenda regulamentasse a modalidade. À época, Jair Bolsonaro preparava-se para assumir o país junto ao seu “posto Ipiranga”, Paulo Guedes. Segundo pessoas que participaram da edição da MP, havia conversas com o ministério bolsonarista para que a regulamentação viesse ainda em 2019.

Apesar do interesse de Bolsonaro por futebol, haja vista a quantidade de camisas de clubes que o ex-presidente utilizou em aparições públicas, Guedes e o rebatizado Ministério da Economia não avançaram sobre o tema. O que avançou, mesmo, foram os sites de apostas, popularmente conhecidos por “bets”. Não houve qualquer tentativa de regulamentação do setor, que sequer apresentava alertas sobre os perigos do jogo como patologia, algo que mesmo as fortes indústrias do cigarro e das bebidas alcóolicas foram obrigadas a exibir em seus produtos. As apostas aumentaram em profusão e, em alguns canais esportivos, é possível acompanhar as odds — ou chances de vitória — em tempo real, na tela.

Até aí, pouco se falava sobre o tema, até pela estratégia das casas do gênero de patrocinar, também, os programas esportivos. Os sites de apostas eram um grande bode na sala do futebol brasileiro. Sem limites claros, as relações entre esses estabelecimentos e jogadores, clubes e até mesmo torcidas foi sendo tecida livre de regras. Apostar em resultados esportivos não é exatamente uma novidade, nem mesmo para o Brasil. A diferença é que as “quotas fixas” a que se referem a Lei de 2018 criaram novos ramos, como quantidade de escanteios, faltas ou cartões amarelos dentro de uma mesma partida de futebol, o que permite a manipulação de estatísticas que não são as mais importantes, como número de gols, e permite mesmo uma relativização das atividades ilícitas por parte de jogadores aliciados. Afinal, alguns justificam, que mal tem forçar um cartãozinho amarelo? Ou dar dois escanteios para o adversário?

Sete mandamentos

De acordo com o Instituto do Jogo Legal, existem sete “boas práticas” com relação à jogatina. A primeira delas é a necessidade de “regular antes de proibir”, seguida da máxima de que “proibição leva ao jogo clandestino”, e isso leva à corrupção. Exemplo disso é que há, no Brasil, uma única legislação que trata de punições para manipulações de resultados, e isso apenas para atletas e outros agentes esportivos. Está no artigo 41-E do Estatuto do Torcedor a pena de dois a seis anos de prisão, mais multa, para quem se envolver em esquemas do gênero. A resposta do Estado brasileiro ao esquema de apostas no esporte mais popular do país ainda não saiu, mas deve vir, num horizonte mais curto, como medida provisória do Ministério da Fazenda.

Nela, entram as divisões dos impostos que incidirão sobre a atividade, a criação de uma secretaria para o tema dentro da pasta e a obrigação dos sites do setor de alertar para a capacidade estimulante dos jogos, num sentido negativo, como potenciais patologias. A norma vem alinhada com diversas legislações europeias. A mais antiga, da Inglaterra, promulgada em 2005, criou agências reguladoras e extinguiu o patrocínio das bets a clubes de futebol até a temporada 2025/26. De forma reservada, um servidor da Fazenda disse crer que a norma impedirá que as apostas se tornem um novo jogo do bicho. “Ninguém se preocupou em regulamentar, deixaram de lado, e quando vimos perdemos o controle sobre uma atividade tida como ilícita. Não arrecada, não contribui e só financia o submundo”, declarou.

Bem, não só. A popularidade e o investimento destas empresas são tantos que diversos jogadores já apareceram em comerciais e ações publicitárias, como Vinícius Jr., do Real Madrid, e Marquinhos, do Paris Saint-German — ambos da Seleção Brasileira e com altos cachês. Até Felipe Neto, o primeiro grande influenciador digital brasileiro, atua em parceria com uma delas, a Blaze Cassino, especializada em cassino virtual e, mais recentemente, em apostas de quota fixa.

O resultado de toda essa entrada do hábito de apostas em um país onde a atividade não é regulamentada é que, de acordo com a empresa SportsRadar, especializada em accountability esportivo, o futebol pentacampeão do mundo é hoje também o recordista em partidas sob suspeita de manipulação. São 152 jogos sob análise na temporada 2022, crescimento de 34% em relação ao ano anterior. Na classificação inglória, dividimos espaço com campeonatos de países como Rússia (92 jogos), República Tcheca (56), Cazaquistão (43) e China (41). O outro campeão mundial que consta na lista é a Argentina, com 39 jogos sob suspeita no ano passado. É por essas e outras, segundo o deputado Sóstenes Cavalcante, que ele defende a suspensão das bets, “cortar totalmente a possibilidade de que isso exista”. Agora, o tema é alvo de uma CPI na Câmara. A ver se vai ser só simulação na área e showzinho ou se o Brasil finalmente vai encarar a necessidade de regular sua paixão por jogos.

'Pet Sounds' é gigante

O ano de 1966 foi um marco na carreira dos Beatles. Foi o ano em que o quarteto fez sua última turnê da carreira, nos Estados Unidos, e também lançou o Revolver (Spotify), álbum repleto de inovações sonoras que levou a um novo patamar a revolução engendrada por John, Paul, George e Ringo. O disco se tornou um clássico e é considerado por muitos especialistas o melhor da discografia dos “Fab Four”. No entanto, esse texto não é sobre os Beatles, mas sobre o Pet Sounds (Spotify), décimo primeiro álbum de estúdio da banda de rock americana Beach Boys, lançado em maio de 1966 e que completa 57 anos em 2023. Aliás, Paul McCartney ficou impressionado com a sofisticação do álbum — mais particularmente com God Only Knows (Spotify). A música serviu de inspiração para Here, There and Everywhere (Spotify) — para muitos, a canção mais bonita dos Beatles. Mas Brian Wilson, líder dos Beach Boys, nunca escondeu: o Pet Sounds também foi uma tentativa de alcançar, pelo menos, o mesmo patamar de Rubber Soul (Spotify), gravado um ano antes pelos Beatles.

Os Beach Boys, formado por Al Jardine, Mike Love e os irmãos Carl, Dennis e Brian Wilson, foi um dos primeiros a unir o pop mainstream com técnicas e inovações sofisticadas de gravação. E apesar de não receberem a mesma aclamação e fama que os Beatles, a banda — especialmente Brian Wilson, gênio por trás dos maiores sucessos dos Beach Boys — rivalizava com grandes compositores dos anos 1960, como Lennon e McCartney. Em meio ao fenômeno do “British Invasion”, que inundou as rádios americanas com hits dos Beatles, Rolling Stones e outras bandas e artistas britânicos, os Beach Boys lançaram o bem recebido All Summer Long, de 1964 (Spotify). No entanto, Brian Wilson sentiu que precisava evoluir a sonoridade da banda. Entre os anos de 1965 e 1966, ele comandou uma série de sessões do Pet Sounds, um álbum é conceitual não pelas letras ou temáticas, mas pela produção.

Inspirado nas técnicas de gravação do método “Wall of Sound”, desenvolvido pelo produtor Phil Spector, que também participou da produção do álbum, o Pet Sounds foi um processo artístico graças ao uso de reverberações que deram às músicas um grande “volume sonoro". Nesse processo, o uso de guitarras, baixo e percussões eram “dobrados”. Sem contar o uso de instrumentos vistos como diferentes para a época, como ukuleles, bongôs, trombones e acordeons. E também tiveram objetos que foram usados como instrumentos: garrafas de Coca-Cola, buzinas, latidos de cães. Esse tipo de instrumentação é destacada na faixa-título e em Let’s Go Away For Awhile (Spotify).

O álbum também é marcado pelas composições de Brian Wilson, o que gerou certo conflito entre os membros do grupo. Entre as temáticas estão o amor frágil, decepções românticas e limitações pessoais, que deram o tom melancólico ao disco que trata da perda da inocência e a constatação de que desilusões sempre farão parte da vida, apesar da fama e do dinheiro.

Clássicos como Wouldn't It Be Nice (Spotify), God Only knows (Spotify), I’m Waiting For The Day (Spotify) e That’s Not Me (Spotify) evocam sentimentos pessoais, seja raiva, pena, empatia ou alegria, fazendo até mesmo o ouvinte se identificar com alguma situação parecida ou um pensamento. Sloop John B (Spotify) e I Know There’s An Answer (Spotify) contrapõem temas melancólicos das letras com melodias felizes, mas os Beach Boys também conseguiram criar arranjos que transmitem com honestidade as mensagens tristes. É o caso de Caroline, No (Spotify), You Still Believe In Me (Spotify) e Don’t Talk (Put Your Head On My Shoulder) (Spotify).

Pet Sounds é reconhecido até hoje como um dos discos mais influentes da música pop, ocupando o topo de várias listas de maiores álbuns de todos os tempos em revistas especializadas como a The Times, Mojo e New Musical Express. Na lista dos 500 melhores álbuns feita pela revista Rolling Stone, o disco foi classificado como o 2º. Além disso, está na lista dos 200 álbuns definitivos do Rock and Roll Hall of Fame. O trabalho também é apontado como ponto de partida para gêneros musicais, sendo uma grande influência para vários deles. Nele, são apontadas vertentes do art rock, pop progressivo e pop psicodélico. Também serviu de influência para outro álbum dos Beatles: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967 (Spotify). Quase seis décadas depois, Pet Sounds tem todo o tamanho que merece.

Leve a democracia no peito

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A gente tem provas e convicção de que Eurovision é sucesso também no Brasil. Deltan e os europeus pop estiveram entre os mais clicados da semana:

1. UOL: Deltan Dallagnol não gostou desse powerpoint.

2. YouTube: Ponto de Partida — Um Lula bem menos de esquerda.

3. YouTube: A performance da vencedora do Eurovision, a sueca Loreen.

4. YouTube: Ponto de Partida — Deltan é inocente e é culpado.

5. YouTube: Käärijä, da Finlândia, ficou em segundo na competição musical europeia.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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