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O big bang de Jadsa

Jadsa é um talento inquieto. Crescida em Salvador, faz parte de uma leva de artistas que trouxe novo fôlego para a música contemporânea brasileira. Depois de gravar um EP ainda na Bahia, foi para São Paulo para tentar gravar o seu primeiro disco. Vivendo da cidade, em 2021 conseguiu lançar Olho de Vidro, um álbum em que traz um jeito único de tocar guitarra e abre todo um diálogo com a música da cidade que a acolheu. Quatro anos e uma pandemia depois, Jadsa acaba de lançar Big Buraco, um trabalho mais pop, em que ela parece ampliar seus horizontes musicais. Não à toa, o álbum integrou a lista dos melhores lançados neste ano pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte).

Mas Jadsa não faz apenas discos que levam o seu nome. Entre Olho de Vidro e Big Buraco, lançou três trabalhos com o projeto Taxidermia, dupla com João Milet Meirelles, do BaianaSystem, seu parceiro desde o primeiro EP em Salvador, e também se arriscou em um projeto de improvisação com mulheres, sem contar algumas incursões teatrais. Conversamos sobre essa inquietação. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Você migrou jovem para São Paulo para gravar o seu primeiro disco. Queria saber um pouco de como foi a sua formação em Salvador, numa época em que vários artistas legais estavam produzindo sons novos na Bahia?

Comecei a tocar muito cedo em Salvador, ainda adolescente, fazendo cover de Pitty, do Inkoma, uns covers de hardcore também, Dead Fish, uma galera assim. Aí eu sinto que um marco é o teatro. Entrei no início de 2014, com 17 para 18 anos. Foi onde eu entendi como era fazer música. E ter uma demanda para fazer música também. Criar essa demanda também era importante. A partir do teatro eu consegui fazer meu primeiro EP, que se chama Godê, junto com o João Milet Meirelles e o Ronei Jorge. E já vinha construindo essa ideia do Olho de Vidro. Quando lancei o Godê, eu queria que fosse um disco de nove músicas, só que eu não tinha tempo, não tinha dinheiro, não tinha condições de fazer isso. E aí eu falei: “Velho, eu quero gravar um disco cheio agora.” E precisava encontrar uma maneira de gravar financeiramente. E aí eu pensei em vir para São Paulo. Vim em 2018.

Olho de Vidro tem um cheiro paulistano, para além das participações de músicos como Luiza Lian e Kiko Dinucci. Quando ouvi pela primeira vez, senti que era um som vindo de Salvador mas que bebia muito na vanguarda paulistana, principalmente em Itamar Assumpção, nessa prosódia diferente e na mistura de rock, reggae e samba. O disco vem daí?

Olho de Vidro apareceu para mim como a imagem de Itamar Assumpção. A primeira vez que eu ouvi falar dele foi através de minha mãe. Um dia cheguei em casa e minha mãe, do corredor, falou assim: “Você já escutou Itamar Assunção?” Eu falei: “Nunca”. Aí ela: “Eu acho que você vai gostar. Você deveria pesquisar, Cássia Eller canta as músicas dele, Zélia Duncan canta. Eu acho que você está muito nessa”. Eu tinha 18 anos. Joguei no YouTube e a primeira música que apareceu foi Parece que Bebe. E me chocou, essa onda de ele brincar com as vogais. Ele parece que está bêbado e quem dá a bronca são as vozes da cabeça dele, essas vozes femininas que sempre acompanharam o Itamar. Eu falei: “Véi, que doideira, isso aqui é muito massa, porque tem uma métrica diferente, não tem regra. Não tem muita coisa assim”. Aí eu comecei a mergulhar um pouco nesse universo da vanguarda paulistana dos anos 80, fui entendendo e apareceu para mim essa canção chamada Olho de Vidro, em que eu comecei a brincar com as vogais, porque tem esse lance de olho de vidro ter vários os, né?

E como foi construir o disco?

Eu queria trazer um pouco dessa coisa sem regra, dessa percussão louca, de um samba em cinco. A partir de Olho de Vidro eu comecei a viajar e achar que poderia ser um arco interessante para começar um disco. Mas lá em Salvador não tinha muita possibilidade para fazer o que eu queria. Vim para São Paulo e, depois de algumas tentativas, me inscrevi pela quinta vez no edital da Natura Musical e consegui garantir o lançamento e a circulação. Ao mesmo tempo, tinha fechado com a Red Bull Studios e consegui dez dias de estúdio para gravar, com a banda base e os convidados, que além desses que você falou tinham Sérgio Machado, Marina Melo, Raîssa Spada, Bianca Predieri. Pessoas que se envolveram tanto no processo que acabaram arranjando o disco. A produção é do João [Milet Meirelles], mas os arranjos são de todo mundo. Então Olho de Vidro tem essa conexão com a vanguarda paulistana porque eu fiz aqui, vim beber na fonte.

Do Olho de Vidro para Big Buraco tem um salto grande em termos de som, abre novas possibilidades e sinto que você encontra uma voz mais sua. Como foi o processo criativo do novo disco?

Com Olho de Vidro eu queria criar uma identidade de cara, meter o pé na porta. No primeiro disco a gente pode fazer isso, né? É meio a sua assinatura ali, um jeito de dizer o que você quer, para que veio. Foi uma voadora que eu dei para abrir caminhos, para derrubar mesmo essas paredes. Agora eu estou um pouco mais segura para poder mostrar outras camadas para a galera e até para mim mesma.

Isso se materializou no novo disco?

É muito legal ver o resultado do Big Buraco. Porque eu me joguei nesse universo desconhecido. Eu convidei o Antonio Neves para fazer a coprodução e fui gravar no Rio de Janeiro, em Santa Teresa, em um lugar que eu não estou acostumada. Queria que fosse um disco rápido. Não sabia o que ia acontecer, a gente só soube dentro do estúdio. E foi um processo muito legal esse direcionamento artístico e musical, que desencadeou nessa coisa de ser um pouco mais pop, de ser um pouco mais acessível, de trazer outras referências. Sinto que Olho de Vidro está mais no passado e Big Buraco mais no presente.

Um lugar que você sempre experimentou no presente foi no Taxidermia, seu projeto com o João Milet Meirelles em que vocês brincam com eletrônica, com dub, com a palavra, com o canto com efeitos. De certa forma você aproveita um pouco disso em Big Buraco. E tem canções no disco que foram lançadas antes em versões do Taxidermia. O que significa esse projeto para você?

É um aprendizado gigantesco fazer parte do Taxidermia. Eu sinto que a gente se alimenta, de demandas, de criatividade, de desejos. Então, acho que é importante para ambos. É um lance de a gente estudar fazendo. E é muito engraçado porque essas versões do Big Buraco são as originais das músicas. E quando a gente faz com Taxidermia, a gente já desdobra, leva para um outro lugar. É muito massa poder destrinchar a música e transformá-la antes de ela aparecer realmente.

E você e João têm essa conexão com o teatro. Lembro de você fazendo uma versão linda de Lágrimas Negras numa performance do Felipe Hirsch. O teatro ainda te move, mesmo você tendo se consolidado na música?

O teatro ainda me move, mas depois desses tempos aqui em São Paulo, eu comecei a entender o meu papel nessa visão do teatro. Como ele me move, como aparece dentro da minha arte, da minha música, dos meus shows. Sempre fico pensando mais em direcionamento de cena, na luz, no posicionamento de corpo. Por exemplo, no Big Buraco eu botei quatro atos, que são os bigs dentro do disco. O teatro me mudou para sempre, me moldou, porque é um meio de fazer as coisas, um jeito de pensar específico. E eu vou sempre mergulhar um pouco mais no que eu estou fazendo.

Um outro projeto muito interessante que você fez foi para o Selo Sesc. Um EP de improvisação com pessoas que você nunca tinha tocado antes: a Sakia, a Lua Bernardo e a Xeina Barros. Neste ano você circulou com esse show. Como esse tipo de projeto, cheio de riscos, mexe com seu lado criativo?

Esse projeto apareceu do nada, foi uma proposta do Sesc fazer esse encontro instrumental. O desafio era gravar uma EP, três, quatro faixas, dentro do estúdio em quatro dias. E a gente nunca tinha se encontrado, nunca tinha tocado juntas, muito menos esses instrumentos. Entrei no projeto como produtora musical e, quando fui entender o escopo, saquei que era uma coisa mais jazz, um rolê de se conhecer tocando. E saiu muito legal, conseguimos fazer com que esses encontros se tornassem mais íntimos a cada dia. E a gente conseguiu colocar um pouquinho de cada uma ali. Fazer o ao vivo disso que foi doido. Porque ficamos um ano sem nos ver e aí, de repente, tínhamos de fazer um show de uma hora. Foi uma troca muito maior, porque a gente teve que trazer músicas nossas e recriar nessa formação. Foi muito massa.

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