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Um dia na terra de ninguém do Telegram

“Logicamente ampliamos nossa rede para o Telegram. Não tem censura e tem que ser assim”, disse o presidente Jair Bolsonaro neste dia 7, durante sua tradicional live às quintas-feiras. Em seu canal no aplicativo, o chefe do Executivo compartilha diariamente ações do governo, notícias, opiniões e informações falsas com mais de um milhão de inscritos no chat. A ferramenta de troca de mensagens possibilita a interação por meio de chats privados, grupos ou canais de distribuição de conteúdo – que têm número ilimitado de inscritos.

Com o princípio da mínima moderação, a popularidade do Telegram tem crescido meteoricamente no Brasil. De acordo com a versão mais recente da pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box sobre mensageria móvel, o aplicativo já está instalado em mais da metade (53%) dos smartphones do país. No último ano, o índice era de 35%. Durante a campanha eleitoral de 2018, 15%. Sem qualquer regulamentação, a ferramenta acende um alerta para a disseminação de desinformação.

“A maioria das redes sociais possui representantes legais no Brasil. Assim, podem ser acionadas em caso de ações suspeitas. Já o Telegram, não. Ou seja, não há a quem notificar, por exemplo, caso sejam identificados disparos de mensagens em massa ou ações realizadas por robôs”, diz o advogado Marcelo Frullani, especialista em direito digital. Há meses, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenta contato com a companhia russa para uma parceria de combate às notícias falsas visando a corrida eleitoral de 2022, mas até o momento não obteve retorno. “A criptografia é uma ferramenta aplicada no Telegram e no WhatsApp para justamente garantir a privacidade dos usuários nas trocas de mensagens. No entanto, a partir do momento em que a plataforma permite que milhares de pessoas se reúnam em grupos sem qualquer transparência, desarranja o debate público e enfraquece a democracia”, conclui Frullani.

O que rola por lá

Ali, todos os usuários encontram suas panelinhas. Há grupos públicos formados para trocar ideias sobre música, esportes e política. Aliás, diversos políticos já estão no aplicativo. Neste mês, o vereador Carlos Bolsonaro compartilhou em seu canal oficial no Telegram um vídeo no qual o governador de São Paulo, João Doria, aparece descendo um escorregador. Ele também atacou a mídia brasileira e não deixou de criticar maconheiros e socialistas. “O socialismo é muito bom para o MACONHEIRO e para o esperto dono de BMW. Não é à toa que são favoráveis à liberação das drogas. Quanto menos neurônios, mais fácil de controlar. Enquanto isso o pai inútil se mata de trabalhar para sustentar o revolucionário incendiador”, escreveu em uma das mensagens. Já seu irmão, Flávio, usou a rede para criar uma cortina de fumaça em torno do veto do presidente à distribuição gratuita de absorventes a mulheres que vivenciam a pobreza menstrual. Em uma enquete que traz como resposta as opções “Nenhum” ou “Zero”, o Zero Um questionou: “Quantos absorventes foram distribuídos pelo PT em 14 anos de governo?”. Eduardo, o Zero Três, também analisou o veto: “Além de custar milhões ao dinheiro público, o projeto poderia se tornar crime de responsabilidade” – o que não é verdade.

A trupe Bolsonaro não é a única presente no aplicativo. O ex-presidente Lula, que já prepara o caminho para a campanha eleitoral de 2022, também mantém seu canal no Telegram. Por ali, compartilha figurinhas petistas, fotos antigas e hashtags. Pinta de rosa os anos em que seu partido esteve no comando do país. Também critica as atitudes do atual governo e reforça frases de efeito como “Ai, que saudade do meu ex. Volta, Lula” e “O povo tem memória”. Apesar de terem “grupos de apoio” constituídos por “fãs”, ex-presidenciáveis como Michel Temer e Dilma Rousseff não mantêm canais oficiais na ferramenta.

Além de abrir espaço para políticos, devido à falta de regulamentação, o Telegram também hospeda grupos que disseminam discursos de ódio e perigosas desinformações. Reunindo mais de 26 mil inscritos, o chat “Tratamento Precoce Preventivo” defende o ineficaz “kit covid” e ataca vacinas. Em uma das postagens, o moderador do grupo explica que não o alimenta no Facebook porque têm suas postagens derrubadas na plataforma. “A indústria farmacêutica patrocina a mídia. A mídia faz propaganda para a indústria farmacêutica e isso financia o seu medo. Seu medo financia sua doença. A doença financia a indústria farmacêutica. Qual parte disso você não entende?”, compartilhou. Em outro canal semelhante, chamado de “Antivax”, pessoas que se recusam a se vacinar contra a Covid-19 enviam conteúdos, no mínimo, intrigantes – como o gif do “Edward Gates Mãos de Vacina”. Outros milhares conversam em grupos declaradamente nazistas, racistas e homofóbicos no aplicativo que se tornou terra de ninguém.

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