Edição de Sábado: Na linha de tiro

Era só mais uma inspeção de rotina. Em novembro de 2020, um ônibus foi parado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) na altura de Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia. O asfalto quente, o entra e sai de passageiros, o cheiro de diesel, nada indicava que ali começaria uma das maiores investigações sobre tráfico internacional de armas do país. Entre as cargas comuns, 23 pistolas, dois fuzis, carregadores e munições.
Edição de Sábado: Lições sobre a polarização

Há quem considere que chegamos a um nível de polarização intransponível. Há quem resista à noção de polarização por negar que os extremos sejam equivalentes. Há ainda quem responsabilize sempre o outro pela situação. Só não há quem ignore que o Brasil vive um momento de divisão acentuada — e que, ao interditar o diálogo, essa cisão corrói a qualidade da nossa democracia.
Edição de Sábado: Inovação, ontem e hoje
No fim do século 18, um mestre-tecelão encara um tear mecânico que promete produzir em horas o que ele leva dias para fazer. Dois séculos depois, um diretor de operações avalia se adota um sistema de IA generativa que automatiza a coleta e parte da análise de dados. A promessa é a mesma, produtividade maior e custos menores. O incômodo também: perda de controle, risco de obsolescência, deslocamento de trabalhadores. O Nobel de 2025 premia uma resposta dupla a esse drama. Joel Mokyr explica por que, a partir da Revolução Industrial, invenção deixou de acontecer em espasmos e virou processo cumulativo. Já Philippe Aghion e Peter Howitt mostram como, numa economia moderna, esse processo segue vivo por meio da destruição criativa, em que novos produtos representam mercados e empurram as firmas a se reinventarem.
Edição de Sábado: Dois pra lá, dois pra cá
No Nordeste, 91,4% das pessoas ganham até R$ 5 mil. No Norte, o percentual é de 85,1%. No Sudeste, que “parece rico”, são 72,3%. No Sul, “que também parece rico”, 70,8%. E, no Centro-Oeste, 68,6%. Os dados são do levantamento Brasil em Mapas, baseado na PNAD Contínua do IBGE. O presidente Lula (PT) recorreu a esses números ontem, em São Paulo. No palco montado no Centro de Convenções Rebouças, durante a cerimônia de lançamento de um novo modelo de crédito imobiliário, voltado a ampliar o acesso da classe média à casa própria, o petista discursava ligeiramente mais enfurecido do que o habitual. Tentava desenhar o Brasil e a camada para a qual direciona a maioria de suas políticas. E preparava o terreno para avançar contra o Legislativo.
Edição de Sábado: As duas direitas
Jair Bolsonaro não lidera a direita brasileira. A afirmação pode parecer peremptória, exagerada, talvez até iludida. Mas não é. Para quem mergulha nos números, a liderança absoluta do ex-presidente é uma miragem. Perguntas incluídas a pedido do Meio no levantamento feito em setembro pelo Instituto Ideia, dirigido pelo economista Maurício Moura, demonstram com clareza esta afirmação. Ainda assim, os principais líderes partidários desta mesma direita atuam como se devessem tudo a ele. Por quê? Talvez, para responder a esta que é a pergunta mais importante no atual cenário da política brasileira, seja preciso começarmos pelos próprios números.
Edição de Sábado: Côncavo e convexo

“Hoje é um dia que vai mudar muito a nossa imagem no Brasil. A imagem do Senado Federal. Eu não tenho nada contra a Câmara, tenho muitos amigos e amigas lá. Mas, no cafezinho, o apelido da Câmara é rodoviária, e o nosso é aeroporto”, disse o senador Jorge Kajuru (PSB) naquela sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pelo senador Otto Alencar (PSD), na quarta-feira. A mesma que, por unanimidade, sepultou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/21, conhecida como PEC das Prerrogativas. Ou da Blindagem. Ou da Bandidagem. Ou da Impunidade. A que condicionava a abertura de qualquer processo criminal contra parlamentares ao aval dos próprios parlamentares — e em votação secreta. E ampliava, ainda, o foro privilegiado aos presidentes nacionais de partidos.
Edição de Sábado: A tibieza de Hugo Motta

“Quem manda aqui é o presidente, respeitando o regimento. Eu não aceito desrespeito. Eu não aceito desrespeito. Eu não aceito desrespeito”, berrou triplamente o deputado Hugo Motta (à época no então PMDB, hoje no Republicanos). “Vossa excelência me respeite. Cabelo branco não é sinônimo de respeito!” Chamado de “moleque” pelo parlamentar Edmilson Rodrigues (PSOL), Motta retrucou, já com a voz falhando, no mais alto tom que sua garganta suportava. “Eu quero dizer a vossas excelências que não serei nenhum fantoche para me submeter à pressão de quem quer que seja. Um deputado aqui se levantou e me desrespeitou. Não tenho medo de grito e, da terra de que venho, homem não me grita.” Vem de João Pessoa, cria de uma família tradicional na política de Patos e do sertão da Paraíba.
Edição de Sábado: Um Brasil que já não dói

Um aceno com a mão direita, estática, um pouco abaixo do ombro, e todos os dedos unidos. Acompanhado dos lábios apertados em um sorriso discreto, embora largo. Assim a ministra Cármen Lúcia permaneceu por algumas dezenas de segundos após proferir seu voto (vídeo) condenando o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete réus acusados de dar corpo à tentativa de golpe de Estado. Aliás, mais do que sentenciando. Após usar o verbo para cicatrizar as úlceras d’uma República afligida repetidas vezes por aqueles que a sequestraram. São oito os golpes militares bem sucedidos até aqui. Os que não vingaram é praticamente impossível contabilizar. Ninguém, nunca, foi sequer processado pelas intentonas concretizadas ou fracassadas. Até agora.
Edição de Sábado: O crime sem autor

Filho de um general quatro estrelas, é tenente-coronel com mais de trinta anos de Exército. Serviu na Brigada de Infantaria Paraquedista e nas Operações Especiais do Exército Brasileiro, foi instrutor na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), observador militar e oficial de ligação das Operações das Nações Unidas no Chile, e comandante do curso de artilharia da Aman. Ainda participou do planejamento e envio de militares brasileiros para a Força Interina das Nações Unidas do Líbano, pós-graduou-se em Relações Internacionais, tornou-se doutor em Ciências Políticas Militares, mestre em Operações Militares, e bacharel em Ciências Militares, especialista em Guerra Irregular e Ações de Comando, escreveu livros, recebeu mais de 15 medalhas de honra. “E, por último, foi ajudante de ordens do ex-presidente da República Jair Bolsonaro”.
Edição de Sábado: Três golpes em um

O dia 7 de setembro de 2021 acabou entrando para a crônica política brasileira como o dia em que o então presidente Jair Bolsonaro, diante de uma multidão verde-amarela na Avenida Paulista, desafiou Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. “Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá”, bafejou. “Dizer aos canalhas: nunca serei preso.”